NEGROS, CRIOULOS E MESTIÇADOS NA SOCIEDADE CHARQUENHA: COMÉRCIO DE ESCRAVOS, LIBERDADES E MOBILIDADES SOCIAIS EM LA PLATA (SUCRE), NOS SÉCULOS XVI E XVII - 01/01/2022
NEGROS, CRIOULOS E MESTIÇADOS NA SOCIEDADE CHARQUENHA: COMÉRCIO DE ESCRAVOS, LIBERDADES E MOBILIDADES SOCIAIS EM LA PLATA (SUCRE), NOS SÉCULOS XVI E XVII
2022 Atualizado em 25/07/2025 06:56:35
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atenção de que “é ainda hoje um conceito poderoso e persiste como construção histórico-social”221, com importantes reflexos no senso comum e até mesmo na produção historiográfica, conforme verificamos.
Continuando nossas críticas a tais apontamentos presentes na obra de Rodas, cabe reforçar que as condições de trabalho em Potosí, sobretudo nos primeiros anos de exploração da prata, no século XVI, eram das mais extremas, como o próprio autor salienta. O frio e a fome atingiam a todos, não somente os negros, como deixa a entender Rodas. Assim, índios, espanhóis, portugueses, negros, crioulos, mulatos, zambos e todos os demais que viviam nos arredores do Cerro Rico de Potosi, de alguma forma padeciam sob a severidade de suas condições climáticas, altitude e do próprio trabalho nas minas de prata.
Vemos evidências dessa situação em documentos diversos, como na Cédula Real de 04 de novembro de 1601, enviada pelo rei espanhol a dom Luis de Velasco, vice-rei e governador das províncias do Peru. O documento relata a precariedade dos trabalhos nas minas e solicita uma avaliação para a diminuição da participação dos índios Pacajes222 na mita, em função daquelas condições.
Habiendo solicitado los indios de la provincia de los Pacajes, que es en la de los Charcas, que se rebaje la tercera parte de los indios que dan a la villa imperial de Potosí para la labor de las minas y entero de las mitas, por haber muerto muchos de ellos en dichas labores y reducido su número, de manera que los que quedan no son suficientes para acudir a las obligaciones de los pueblos y por no poderlo sufrir huyen y despueblan los repartimientos, manda que envíe relación de lo que en ello pasa y conviene proveer cerca de lo que piden y si, de hacerlo, sigue algún inconveniente223.
Ora, segundo o documento são os índios e não os negros que não suportam as condições severas de trabalho naquelas minas. Além disso, o trabalho reservado aos negros não era o da retirada do mineral, já que alguns trabalhavam na Casa da Moeda, que também era uma atividade difícil224, sendo que a grande maioria deles era utilizada em trabalhos domésticos ou em ofícios urbanos executados tanto em Potosí quanto em La Plata.Em outras passagens do texto, além de destacar eventuais debilidades físicas dessa população, que estariam relacionadas ao ambiente dos Andes, Rodas chega a ignorar a própria 221 Segundo Lilia Schwarcz “Raça, entendida nessa perspectiva biológica, por incrível que pareça é ainda hoje um conceito poderoso e persiste como construção histórico-social; matéria prima para o discurso das nacionalidades e marcador social de diferença que identifica e classifica pessoas e situações”. SCHWARCZ, Lilia. Teorias Raciais. In. SCHWARCZ, Lilia; GOMES, Flávio. Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 403 – 409.222 Pacaje é uma província hoje pertencente ao departamento de La Paz, na Bolívia. 223 AGI. CHARCAS,418, L.2, F.154R-154V. Real Cédula a don Luis de Velasco, virrey, gobernador y capitán general de las provincias del Perú o a la persona o personas a cuyo cargo fuere su gobierno. 1601-11-6. Valladolid.224 Relatos apontam que as condições de trabalho na Casa da Moeda de Potosí eram extremas. Os negros trabalhavam em temperaturas elevadíssimas e tinham pouquíssimo[p. 85]
Vasco Pinto se dizia “enfermo y pobre” e que “no tiene caudal alguno el susodicho ni su hijo”391.Afirmava ainda ser viúvo, ter nascido em Lisboa, ser filho legítimo de Jorge Pinto e de Beatriz Hernandes, e que havia entrado nas Índias por Buenos Aires doze anos antes, em 1596, com autorização de Sua Majestade “con cargo de factor de los contratadores del contrato de los negros392”. Em relação a sua situação financeira, é pouco provável que estivesse totalmente arruinado. Isto porque a declaração de pobreza, geralmente, era uma estratégia utilizada por colonos para escapar de impostos e outras taxas devidas à coroa. Além disso, seu filho, Duarte Pinto, aparece em diversos documentos posteriores a 1608 com o título de capitão e negociando escravos, aparentemente seguindo os mesmos passos do pai393. Enfim, toda essa estrutura comercial do final do século XVI, que reunia encomenderos, comerciantes, agentes da coroa e factores, operava uma rede de negócios legais e ilegais que estruturaram e dinamizaram a rota de comércio de escravos no Charcas, especialmente entre Buenos Aires, La Plata e Potosí. A participação de agentes portugueses no comércio de escravos na região do Charcas foi notória e permaneceu assim mesmo após o fim do asiento concedido a Pedro Gómez Reynel, o que aconteceu por volta de 1599.1.6.2.6 – Os irmãos Coutinho e a nova ordem no comércio de escravos no Charcas
No raiar do século XVII, as solicitações de particulares e de autoridades para a entrada de escravos no Charcas não só continuavam, como também eram cada vez mais constantes. Ao mesmo tempo, novos atores assumiram o comércio de mão de obra escrava tanto na África quanto em Buenos Aires. A mudança foi promovida pela entrada em cena de um outro português, João Rodrigues Coutinho, denominado “gobernador y capitán general de las consquistas e minas del reyno de Angola”, que arrematou o novo contrato de fornecimento de cativos em substituição a Reynel. A presença de Coutinho como governador na África facilitou a ligação entre os mercados captadores em Angola e a sua distribuição na América. O contrato assinado em 26 de março de 1601 tinha a previsão de duração de nove anos, e cedia a Coutinho direitos de transporte de escravos de Angola e de qualquer outra parte daGuiné para as Índias394. Segundo esse asiento, Coutinho deveria fornecer à coroa espanhola 391 ABNB. Correspondencia de la Audiencia 630…392 ABNB. Correspondencia de la Audiencia 630…393 ABNB, EP 193: 515r-518v. 10/12/1637. Venta de esclavos, que hace el capitán Duarte Pinto de la Vega a Sancho de Figueroa.; ABNB, EP 193: 538r-539v. 17/12/1637. Venta de un esclavo, que hace el capitán Duarte Pinto de la Vega al doctor Baltasar Cerrato Maldonado.394 STUDER, Elena. La trata de negros en el Río de la Plata durante el siglo [p. 132]
Essa presença de negros e de seus descendentes junto à confraria do Rosário e ao Convento de Santo Domingo também pode ser reforçada por um estudo recente de Andrea Barrero Camacho842, que localizou nos livros de batismo do convento diversos registros dessas pessoas. Todavia, conforme a própria autora afirma, trata-se ainda de informação incompleta e fragmentada. De todo a forma, essa localização junto ao Convento de Santo Domingo diverge de que eles estariam mais vinculados à paróquia de San Roque, como veremos mais adiante no Capítulo 4, quando abordamos a questão dos espaços urbanos de La Plata. Além disso, aparentemente a confraria do Rosário de La Plata também apoiava seus membros financeiramente em diversos de seus negócios. Evidência disso é, por exemplo, o empréstimo que a instituição fez aos negros livres Francisco de Zamudio e Nicolás, mandinga, em 21 de março de 1632. A informação está na obrigação de pagamento de 110 pesos de prata assinada por Francisco e Nícolas junto a “Juan de la Concepción, negro, prioste de la Cofradía de Nuestra Señora del Rosario”843.Tudo indica que houve a participação da confraria nas alforrias ocorridas em La Plata. Isso ocorria de forma direta ou executada por intermédio da ação de seus integrantes. Exemplo disto pode ser visto em documento de 25 de janeiro de 1598, quando o negro Domingo Bioho assinou, juntamente com Lucas de Melián, uma obrigação de pagamento com o casal Martin de Almendras Golsin e Inés Tortoles de Villalba no valor de 500 pesos de prata, referente ao restante de sua liberdade, que fora estabelecida em 1500 pesos844. No mesmo dia, o casal deu liberdade a Domingo Bioho845, sendo a dívida quitada integralmente em 20 de agosto de 1601. Vale recordarmos que Lucas Melián é o mesmo de quem falamos anteriormente como mordomo da Confraria do Rosário. Pela proximidade, possivelmente Domingo Bioho também fizesse parte confraria.Em outra possível relação entre a Confraria do Rosário e as alforrias em La Plata está a manumissão de Antón López de Guevara. Nesse episódio também figura o negro Domingo Bioho visto anteriormente. Vamos aos fatos. Em 26 de dezembro de 1603, Francisco de Victoria, reitor do colégio da Companhia de Jesus de La Plata, expediu carta de liberdade a favor de López. No documento, o reitor informava que o cativo tinha 40 anos de idade e que 842 BARRERO CAMACHO, Andrea. Libertad de papel. Cartas y procesos judiciales de manumisión de esclavos en la ciudad de La Plata. Siglo XVII. Dissertação (Mestrado em História). Programa de Maestría en Historia. Universidad Andina Simón Bolívar, Sede Ecuador, 2017.843 ABNB, EP 188: 106r-107v. 21/03/1632. Obligación de pago de Francisco de Zamudio, negro libre.844 ABNB, EP 108: 191r - 192v. 25/01/1598. Obligación de pago de Domingo Bioho, y Lucas Melean a favor de Martin de Almendras Golsin e Inés Tortoles de Villalba.845 ABNB, EP 108: 188r - 190v. 25/01/1598. Carta de libertad que extienden Martín de Almendras e Inés Tortoles de Villalba a favor de Domingo Bioho. [p. 270]
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