“Homens da fronteira”, Índios e Capuchinhos na ocupação dos Sertões do Leste, do Paraíba ou Goytacazes Séculos XVIII e XIX. Márcia Malheiros 0 01/01/2008
“Homens da fronteira”, Índios e Capuchinhos na ocupação dos Sertões do Leste, do Paraíba ou Goytacazes Séculos XVIII e XIX. Márcia Malheiros
2008 Atualizado em 13/02/2025 06:42:31
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Em relação às aldeias criadas ao longo do litoral desde o século XVI, o mote, sobretudo no século XIX, era classificar os índios que ali viviam como civilizados, caboclos aculturados que dispensavam qualquer tratamento especial ainda garantido por lei aos índios, especialmente o direito sobre suas terras. De outro lado, a detecção de “índios brabos” e soltos pelo sertão instigava um discurso sobre a necessária intervenção da mão “civilizadora” da “sociedade civil” sobre eles, instituindo-se, a partir de então, religiosos, militares e particulares na tarefa de contatá-los e “civilizá-los”.
Dessa forma, quando em 1767 o militar Manoel Vieyra Leão classificava os índios “soltos” do Rio de Janeiro como “brabos” e seu promissor território como “sertão”, talvez procurasse registrar a premência de sua “integração” sob a vigilância das autoridades e da intervenção de seus fiéis “súditos”. Para o sargento-mor, o “mundo selvagem” ainda sobrevivia nas bordas da “civilização” e a pouca distância da capital do Estado do Brasil.
Vieyra Leão expressa em sua carta topográfica uma visão dicotômica sobre a ocupação do território e o “estado” dos índios na capitania fluminense. Segundo sua interpretação havia terras povoadas, ocupadas, com estabelecimentos identificados a partir dos nomes de seus proprietários e espaços “vazios”, “ignotos”, “sem nomes”. Havia também índios, vivendo em áreas de aldeamentos pelo litoral ou em suas “bordas”, e “índios brabos”, habitantes dos “sertões”. Assim, civilização e barbárie, urbe e sertão, sociedade civil e desordem ainda opunham-se; era necessário, então, diminuir o espaço da “desordem” e “civilizar” os “índios brabos”.
A política indigenista dos séculos XVI, XVII e primeira metade do Setecentos, apesarde ambígua e oscilante136, oficialmente apoiava a ação missionária, sobretudo jesuíta,tolerando uma relativa manutenção da alteridade dos aldeados frente à sociedade colonial. Talação previa, em linhas gerais, a mediação dos missionários no relacionamento entre aldeadose sociedade envolvente (status que suscitou uma série de conflitos com os colonos) e, noâmbito da catequese, o uso da “língua geral” e incorporações de elementos do universosimbólico dos nativos como veículo “aculturador”, considerando, assim, uma integração“processual” dos índios ao projeto colonial.Na segunda metade do século XVIII, muito embora elementos da política anteriortenham sido mantidos - como a organização do trabalho indígena, sua repartição, a “garantia” [Página 39]
apresentados como selvagens, primitivos, indolentes, improdutivos, necessitados do empenho“civilizador” a cargo de particulares e religiosos.141Qualificar o índio como “brabo” poderia também servir a propósitos bem específicos. Adeliberada propaganda da “selvageria” dos nativos de uma determinada região fora utilizadaem algumas situações onde indivíduos ou grupos pretendiam desestimular a entrada de“concorrentes” em área de interesse econômico. Exemplo deste tipo de propaganda é dado porMichael Taussig quando trata das ações da companhia dos irmãos Arana que monopolizava aextração da borracha na região do Putumayo, na fronteira entre Peru e Colômbia. Segundo oautor:“A selvageria dos índios era importante para a propaganda dacompanhia que comerciava com a borracha. Os Huitoto ‘sãosurpreendentemente hospitaleiros’, escreveu Hardenberg (...). Comefeito, prosseguia, ‘a fim de atemorizar as pessoas e assim impedi-lasde penetrar na região, a companhia fez circular notícias horripilantessobre a ferocidade e o canibalismo daqueles índios (...).”142 Entretanto, como ressalta Taussig, “a propaganda floresce onde o solo foi bempreparado (...). A abundante mitologia relativa à selvageria dos índios datava de épocas bemanteriores à de Hardenburg (...).”143 Dessa forma, ainda que desconheça os limites decirculação da carta topográfica de Vieyra Leão, imagino que sublinhar a presença de “índiosbrabos” em “área proibida” e com notícias de garimpagem ilegal poderia servir aos mesmospropósitos dos Arana.
Mas, não era apenas nos “Sertões de Macacu” que o “índio solto” era apresentado como “cruel” e “selvagem”. O engenheiro militar Manoel Martinez do Couto Reys, em missão oficial pelo distrito de Campos dos Goytacazes, em 1785, assim apresentou os Puri que viviam na região: “São estes Indios assas corpolentos, audazes, destemidos, vigilantes, e de máximas muito atraiçoadas, inclinados a toda a deshumanidade, dando morte a qualquer vivente que encontrão, seja ou não irracional, ainda que os não offendão.” 144 Similar ao casoapresentado por Taussig no Putumayo, a imagem “selvagem” conferida aos Puri propagava-se em “solo bem preparado.” [Página 41]
A presença de áreas ainda não colonizadas e de índios “soltos” era uma realidade nasterras marginais ao rio Paraíba do Sul e afluentes, sobretudo em amplas áreas do médio emédio-inferior curso desta importante via fluvial.173 Ainda que Vieyra Leão não indique emsua carta topográfica de 1767 a presença indígena autônoma na região do Vale do Paraíba174 enos sertões de Campos dos Goytacazes175, a inexistência ou raras menções sobre a presença deestabelecimentos coloniais nestas áreas demonstram que elas também estavam à margem docontrole efetivo das autoridades.
Neste trabalho, interesso-me justamente pelos sertões dos Campos dos Goytacazes,onde serão estabelecidos aldeamentos sob a administração de religiosos capuchinhos italianos,desde 1781. Assim, parece importante pensar sobre a “situação” destes sertões e vizinhançaspouco antes do estabelecimento das aldeias-missões. Na carta topográfica de Vieyra Leão nãohá qualquer registro de acidente geográfico ou empreendimentos colonial na extensa regiãoentre as serras centrais fluminenses e o rio Paraíba do Sul, até os limites com Minas Gerais,compreendendo vasto território entre o rio Piabanha e a margem direita do rio Preto, na regiãode Campos Goytacazes. Há apenas a indicação de empreendimentos coloniais a partir damargem esquerda do rio Preto, onde há o registro do Engenho Santa Cruz e de uma série deoutros estabelecimentos orbitando em torno das Vilas de São Salvador e São João, na foz dorio Paraíba. Esta vasta região ou parcelas dela receberam desde o século XVI variadasdenominações, sempre sublinhando o caráter sertanejo, ignoto e “traiçoeiro” que lheadjetivaram até a efetiva marcha colonizadora, consolidada no decorrer do século XIX. Noentanto, a região a oeste, denominada Sertão do Macacu (ou “sertão interior de Macacu”),como vimos, já era indicada em documentos oficiais, sobretudo em meados do século XVIII. [Página 54]
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