memoria. Mais ainda, nas entrelinhas do seu testemunho registradopor Montoya, percebe-se uma fé inabalável na pessoa de Cristo, alémda experiência da constante presença de Deus na sua vida cotidiana.Experiência esta que nos lembra da mesma forma a existência deIgnacio de Loyola.O modelo de índio obtido com Piraycí serve não apenas para afunção de registro jesuítica sobre o amadurecimento espiritual deoutrem, mas está relacionado às variantes de um discurso onde há orelato daquele que experimentou e que, consequentemente, divulgaa experiência mística que vivenciou. Nesta descrição, se evidenciamas interpretações sobre a percepção de Deus entre duas culturas distintas. Índio e jesuíta, nesta representação, tornam-se os verdadeirosfilhos de Adão e estabelecem um diálogo espiritual até então jamaisprevisto.
No caso dos Gualacho, o “índio fiél” aparece representado na figura do cacique Cohen, que ao ser informado da chegada dos padres ao seu pueblo, deu “mui grandes muestras de amor” (MCA I, 1951, p.295). Essa atitude demonstraria e retrataria o exemplo da predisposição indígena para a recepção do Evangelho em suas aldeias. Cohen auxiliou os padres a iniciarem o processo de conversão dos Gualacho, demonstrando que o sucesso ou fracasso da missão jesuítica dependia da aceitação ou não dos indígenas. Contudo, Montoya ressalta que a bondade de Cohen sobressai a todos os outros indígenas do grupo. Porque a vida moral desse cacique e a sua vida religiosa, na visão de mundo do jesuíta, eram oriundas de uma mesma fonte: Deus (Certeau, 2000, p.136-137).
Esse cacique de alma nobre, segundo a narração de Montoya, apresentava todas as características de um bom cristão; sobretudo aquela de prestar serviços em auxílio da difusão da Boa-Nova entre o seu povo. Dentre as demonstrações de uma verdadeira conversão e piedade cristã, os indígenas da aldeia de Cohen aceitavam conviver com os índios do cacique Tayaoba, encerrando um período de guerra entre esses dois grupos. Cohen possibilita a Montoya criar uma representação onde se estabelece um “contrato social” entre os dois lados, que substitui as generalidades edificantes. Esse indígena, através da percepção do jesuíta, antes mesmo de receber o Evangelho já era um cristão. Ao aceitar e auxiliar na propagação do catecismo, apenas enfatizava a sua fé preexistente.[Páginas 166 e 167]