'Santos, Heróis ou Demônios? Sobre as relações entre índios, jesuítas e colonizadores na América Meridional (São Paulo e Paraguai/Rio da Prata, séculos XVI-XVII), 2012. Fernanda Sposito. Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutora em História. Orientador: Prof. Dr. Pedro Puntoni 0 01/01/2012 Wildcard SSL Certificates
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Santos, Heróis ou Demônios? Sobre as relações entre índios, jesuítas e colonizadores na América Meridional (São Paulo e Paraguai/Rio da Prata, séculos XVI-XVII), 2012. Fernanda Sposito. Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Doutora em História. Orientador: Prof. Dr. Pedro Puntoni
    2012
    Atualizado em 29/06/2025 22:05:04

  
  
  


Ao mesmo tempo, nos domínios castelhanos, a colonização começou a se consolidar nessa parte da América a partir de redutos guaranis, como Assunção, pois Buenos Aires, que deveria funcionar como porta de entrada para o interior, não se constituiu inicialmente como uma base espanhola. Somente no final do século XVI (1580) que a cidade da Santísima Trinidad e porto de Santa María de Buenos Aires foram refundados, o que marcou também a expansão da frente espanhola naquelas partes. Desse período é a chegada dos jesuítas à província do Paraguai, embarcados, aliás, da Bahia (1587), o que iniciou a missionação jesuíta na região, até então realizada pelos franciscanos, mas cujo maior fruto só poderia ser colhido com a instalação das missões jesuíticoguaranis (1609) na província do Guairá, onde já havia algumas cidades espanholas fundadas e foi o limite oriental mais extremo onde a ocupação castelhana chegou.

Usando de uma metafóra de José Carlos Vilardaga, que também analisou as relações entre a vila de São Paulo de Piratininga e a província do Paraguai entre o final do século XVI e início do século XVII, era como se essa região fosse um amplo tabuleiro de xadrez, em que os diversos grupos sociais ali presentes relacionavam-se tais quais as peças desse delicado jogo, com avanços e recuos de ambos os lados.13

13 “No sentido leste, assentavam-se os portugueses, e, assim, a expansão castelhana apartir do Paraguai participou também das disputas entre Castela e Portugal pelahegemonia no rio da Prata e nos limites ao sul do Tratado de Tordesilhas. Desenrolavase, desse modo, uma espécie de ‘xadrez estratégico’ jogado por Domingos de Irala, noParaguai, e por Tomé de Souza, em São Vicente, na década de 1550. Segundo algumasanálises inauguradas por Jaime Cortesão, há de se levar em consideração uma políticaimperial e colonial, em geral, incorporada pelos governadores e adelantados, e que tinharazoável clareza da importância estratégica dos espaços coloniais na América.

Assim, a coincidência entre as ações de Irala, de um lado – que teria chegado, em 1552, no salto do Avanhandava às margens do rio Anhembi (Tietê) para combater os grupos tupisalertando ao rei da necessidade de consolidar as conquistas do Guairá para barrar umpossível avanço português –, e as medidas de Tomé de Souza, de outro – que proibiu otráfego nas rotas que ligavam Cananéia e São Vicente ao interior paraguaio, tentandotransformar a vila de Santo André da Borda do Campo, criada em 1553, em postoavançado e fronteiriço do avanço português, essencialmente litorâneo –, faria parte destadisputa colonial. Entretanto, para além dessa suposta política imperial aparentementecoerente e demarcatória, o que parece ter acontecido foi um processo de ocupaçãomarcada pelas conveniências e necessidades locais. Isto explicaria, por exemplo, porqueo próprio Irala foi acusado de fornecer índios escravos para São Vicente, em troca deferro e outras mercadorias, alimentando uma relação teoricamente indesejada, aomesmo tempo em que moradores da capitania de São Vicente se deslocavamcontinuamente para o Paraguai, levando, inclusive, as primeiras cabeças de gado para a região. Foi, essencialmente, a busca de novas encomiendas e canais de escoamento quedirecionaram a expansão a leste, assim como foram os vínculos marítimos portuguesesque barraram o avanço, a oeste, de São Vicente.” José Carlos Vilardaga. São Paulo naórbita do Império dos Felipes. Conexões castelhanas de uma vila da América portuguesadurante a União Ibérica (1580-1640). Tese de doutorado em História Social. São Paulo:FFLCH-USP, 2010., p. 205. [p. 16]

provincial da Companhia de Jesus no Brasil, desanimado diante da catequização dos nativos da costa atlântica, propunha rumar ao Paraguai para doutrinar os carijós, de quem lhe parecia se colheriam melhores frutos. (...) sempre me disse o coração que devia mandar aos Carijós, os quais estão senhoreados e –sujeitos dos Castelhanos do Paraguai e mui dispostos para se neles frutificar com outras gerações que também conquistam os Castelhanos, e juntamente com isto fazerem-me de lá instância grande por muitas vezes, scilicet: o Capitão e os principais da terra, tendo todo o favor e ajuda necessária para bem empregar nossos trabalhos assim entre os Cristãos como Gentios; tive também cartas de pessoas que esperavam nossa ida com bons desejos de servirem a Nosso Senhor nesta Companhia, de muito boas partes para isso, e com isto ver, que a capitania de São Vicente se vai pouco a pouco despovoando, pela pouca conta e cuidado que El Rei e Martim Afonso de Sousa têm, e se vão lá passando ao Paraguai pouco a pouco, e considerar eu os muitos Irmãos que há em São Vicente e o pouco que se faz aí e parecer-me que seria bom ter a Companhia lá um ninho onde se recolhesse, quando de todo São Vicente se despovoasse. 15Quase meio século depois, o governador do Paraguai, Hernan Arias de Saavedra (Hernandarias) também notava a necessidade de se reforçar as ligações entre pontos distantes dos Impérios espanhol e português, naquela ocasião governados pelo mesmo soberano através da União Ibérica (1580-1640). Em direção oposta ao do padre Nóbrega, mas visando o mesmo objetivo, Hernandarias propôs em 1604 uma solução para a pobreza dos moradores do Guairá. Para ele, deveria se liberar o comércio entre o Guairá e São Paulo, enviando-se também missionários portugueses para catequizar no Paraguai. [p. 30]

En este propio tiempo gozando de esta paz se despacharon de la provincia de Guaira que es la ultima deste gobierno, por el Río grande de la plata arriba, cuatro soldados a descubrir tierra, y al cabo de algunos meses de navegación fueron a dar en la ciudad de san pablo que es en la costa del brasil la tierra adentro, de donde en los navíos que este presente año han venido de la dicha costa tive cartas de los dichos soldados y Relación de su viaje y de como se podría tratar aquella provincia de guaira con el brasil, pero considerando que los portugueses es gente prohibida, no consentiré se ande aquel camino hasta ver lo que Vuestra majestad es servido se haga, no embargante que los de Guaira lo desean mucho porque como están tan atrás deste puesto y ellos tienen tan gran pobreza que no alcanzan con que vestirse y apenas se halla un sacerdote que quiera estar entre ellos para administrarles los santos sacramentos de que están aquellos pueblos muy necesitados y de todo esto cuando vuestra majestad se sirviese permitilo podrían tener Remedio del Brasil de donde entrarían algunos padres de la compañía, que demás del servicio que harían a nuestro señor en esto, se le podrían hacer muy grande en doctrinar gran suma de indios que tiene aquella provincia.16Não por acaso, como será discutido ao longo deste trabalho, poucos anos depois Hernandarias, temendo os ataques de portugueses de São Paulo sobre os índios de Guairá, argumentou o oposto: que se encerrassem as comunicações, para isso despovoando a vila de São Paulo, foco de toda a discórdia.17 Na verdade o governador do Paraguai não foi contraditório em relação à sua proposta anterior. Como se verá no capítulo 3, Hernandarias foi um dos artífices do envio de missionários jesuítas para o Guairá, que ali iniciariam seu projeto de [p. 31]

Já Buenos Aires (pertencente até 1618 à província do Paraguai ea partir de então, com a divisão da província em duas partes, tornou-secapital da recém criada província do Rio da Prata) não obteve êxito emsua primeira fundação em 1536, devido às privações de alimentos einstalações por que passaram os primeiros europeus que ali quiserampermanecer. Narrativas um tanto quanto exageradas dos eventos dãoconta que alguns espanhóis teriam comido seus companheiros parasobreviver, conforme fala do próprio rei espanhol em 1539.36 Como citado, os colonizadores dali juntaram-se aos de Assunção e somenteem 1580 esse núcleo foi refundado, sendo sua reconstrução efortificação possível, em grande medida, graças à mão de obra guarani,vinda do Paraguai entre os séculos XVII e XVIII, como mostrou EduardoNeumann.37 [Páginas 41 e 42]

Nos domínios portugueses da América, havia outra configuraçãoétnica e geopolítica. Conforme dito acima, depois de esgotada a reservade mão de obra indígena nos entornos da vila de São Paulo dePiratininga, fundada em 1554, composta inicialmente pelos índiosaliados tupiniquins e derrotados os inimigos que, impondo cercos à vila,impediam a circulação de seus habitantes, passou-se a buscar essas“peças” e “gentios” em regiões cada vez mais distantes. As “peças” eramos índios escravos, em tese capturados através da guerra justa, que sópoderia ocorrer mediante autorização do rei ou das mais altasautoridades coloniais. Os “gentios” eram aqueles trazidos da mata por“resgate” ou “descimento”, não convertidos, que permaneciam livres eeram destinados aos aldeamentos ou às casas de moradores. Essesgentios, em troca de instrução, catequese e acolhimento que deveriamreceber por parte dos brancos, prestavam serviços aos particulares ouem obras públicas, recebendo pagamento por isso. Se nas primeirasdécadas da vila, a expansão se deu nos aldeamentos além-muros dopequeno núcleo urbano (Pinheiros 1560; São Miguel 1560; Guarulhos1585), no século seguinte culminaria com a criação de novas vilas ealdeias. Em direção ao Rio de Janeiro, no vale do Paraíba: Mogi dasCruzes 1611; Taubaté 1640; Guaratinguetá 1651; Jacareí 1653, aldeamento Escada/Guararema 1611. No sentido oeste: aldeamentos deBarueri 1609; Carapicuíba 1615, Embu 1624 e Itapecerica (dataindeterminada); vilas de Santana de Parnaíba 1625; Itu 1654; Sorocaba1670; Paranaguá 1640; Curitiba 1654; Jundiaí 1656 [ver Tabela]. 38Esse movimento de fundação de novas vilas teve um duplocaráter, complementar e contraditório, síntese da própria colonização:ao mesmo tempo em que demonstra o desenvolvimento dos lusos nacapitania de São Vicente, em sua expansão para novas áreas, buscandoterras a cultivar, minérios a explorar e apresentando-se como umasolução para as disputas entres as elites da vila de São Paulo, ao lhesproporcionar novos espaços de mando e riqueza, é alimentada pelaaniquilação/submissão das populações autóctones. O marco dessemovimento expansionista dá-se praticamente na virada entre os séculosXVI e XVII e é considerado de maneira geral pela historiografia como o início do banderismo ou bandeirantismo, que será visto mais à frente.Uma rota importante, que representa o grande interesse e conexão entre a vila de São Paulo e o lado espanhol da América, era aquela que, partindo da capitania vicentina, chegava à região do Guairá e culminava nos atuais territórios de Santa Catarina e Mato Grosso doSul. Aventa-se que tal caminho, por sua vez, seria um aproveitamento de trajetos pré-coloniais, denominado Peabiru, que passaram a ser utilizados pelos exploradores desde os primeiros anos da conquista da América, mas cuja autenticidade, segundo Sérgio Buarque de Holanda,seria difícil de verificar, uma vez que se mistura aos “motivos edênicos”da colonização. Isso porque os religiosos buscavam encontrar nosrelatos de nativos das diversas partes da América indícios de que SãoTomé tivesse vindo ao continente, segundo interpretavam a partir dealgumas passagens bíblicas. Para os jesuítas, como Montoya, se osíndios diziam que fora um antigo ser mítico, Zumé, que teria lhes legado tal caminho, isso seria a prova da vinda de São Tomé, o que fez com queo Peabiru fosse rebatizado pelos padres como Caminho de São Tomé.

Sérgio Buarque de Holanda. Visão do Paraíso. Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Brasiliense/Publifolha, 2000, p. 142:

Na versão que da abertura dessa estrada nos conservou o Padre Antônio Ruiz de Montoya, da Companhia de Jesus, alude-se à fama corrente em todo o Brasil, entre os moradores portugueses e aos naturais que habitavam a terra firme, de como o santo apóstolo principiou a caminhar por terra desde a Ilha de São Vicente, “em que hoje se vêem rastros, que manifestam esse princípio de caminho [...],nas pegadas que [...] deixou impressas numa grande penha, em frente à barra, que segundo público testemunho se vêem no dia de hoje, amenos de um quarto de légua do povoado”. “Eu não as vi”, pondera o missionário, mas acrescenta que à distância de duzentas léguas dacosta, terra adentro, distinguiram, ele e seus companheiros, um caminho ancho de oito palmos, e nesse espaço nascia certa erva muito miúda que, dos dois lados, crescia até quase meia vara, e ainda quando se queimassem aqueles campos, sempre nascia a erva e do mesmo modo. “Corre este caminho”, diz mais, “por toda aquela terra,e certificaram-se alguns portugueses que corre muito seguido desde o Brasil, e que comumente lhe chamam o caminho de São Tomé, ao passo que nós tivemos a mesma relação dos índios de nossa espiritual conquista”. [p. 42, 43 e 44]

No entanto, Afonso d´Escragnolle Taunay (1876-1958) é mais categórico. Para ele, não só é possível afirmar que tal rota existiu, como se poderia delimitar seu trajeto. Assim, o Peabiru teria cerca de 200 léguas (1.200 quilômetros), iniciando-se em São Vicente, subia para São Paulo, passando por Sorocaba, Botucatu, seguindo pelo rio Paranapanema e atingindo o rio Tibagi (no território do atual Estado do Paraná).

Nesse ponto, abria-se uma bifurcação: o primeiro caminho descia ao sul, em direção aos Patos (atual território de Santa Catarina) e o segundo seguia o Paranapema até a confluência com o rio Paraná, em direção ao norte. A partir daí, entrava-se no rio Ivinheima (afluente da margem esquerda do Paraná) e, por terra, chegava-se à Vacaria40, culminando no território do atual Mato Grosso do Sul.41

Estas rotas indicariam, portanto, os meios de acesso através da capitania de São Vicente às regiões das reduções do Guairá, Itatim, Uruguai e Tape [ver Mapa 2]. Os dois núcleos principais em torno dos quais gravitam as questões abordadas nesse trabalho – São Paulo no Brasil e Assunção nas Índias de Castela – estavam sob jurisdição de cada um dos reinos,mas também foram governadas por uma só Coroa durante a UniãoIbérica (1580-1640). Nesse sentido, olhar sobre a região e estaslocalidades específicas permite-nos uma análise de como o cenáriopolítico europeu, as sucessões dinásticas e as disputas entre os reinosrepercutiam na administração colonial e no cotidiano de seushabitantes. Para alguns historiadores, esse é um tema de sumaimportância e buscou-se mostrar como a União Ibérica inflenciou numamaior proximidade e conexões entre as partes espanhola e portuguesada América meridional, como fizeram diversos estudos, tais quais deAlice Canabrava, Rafael Ruiz e José Carlos Vilardaga.42 Os núcleosprincipais distavam entre si cerca de 1.300 km de distância. Comodiscutido acima, essas fronteiras, além de não demarcadas, eramaltamente permeáveis, a despeito das reiteradas proibições de livrecirculação por parte de cada um dos reinos [Santos, Heróis ou Demônios? Sobre as relações entre índios, jesuítas e colonizadores na América Meridional (São Paulo e Paraguai/Rio da Prata, séculos XVI-XVII), 2012. Fernanda Sposito. p. 44 e 45]

autores, com Branislava Susnik, enquadrassem os grupos guaranis dentro do cacicado. Nesta tese não entro no mérito da tipologia evolucionista dos modos de poder e organização das sociedades humanas, que entende o regime do cacicado como um estágio evolutivo entre os grupos organizados em “bandos” e aqueles que são regidos pelo Estado. Sem me prender a esta valoração, utilizo o termo “cacique” porque ele é uma das formas como estas lideranças eram identificadas à época.23 Um aspecto importante para problematizar o papel dos caciques é que as doações das autoridades coloniais aos moradores se faziam a partir desses chefes indígenas e seu grupo de subordinados. Nessas encomiendas, os caciques colocavam seus índios para prestar serviços aos espanhóis, recebendo alguns privilégios, como a isenção de seu próprio trabalho e a legitimação de seu poder dentro do sistema colonial e perante os índios de seu pueblo. Procurando identificar os caciques através de seus nomes e localidades geográficas, as doações dessas mercês aos moradores também podiam especificar quantos eram os índios sob jurisdição de cada líder, quantificados através dos fogos (famílias), o que, no limite, indicava um universo de centenas de indivíduos sob a liderança de um cacique. Esse movimento pode ser comprovado através dessas doações ocorridas no ano de 1597 no Guairá, que foi uma dentre inúmeras outras de que se tem registro para o Paraguai e Rio da Prata no século XVI. En la asunción a ocho días del mes de enero del mil y quinientos y noventa y siete años el dito señor gobernador Juan Ramírez de velasco hizo merced y encomienda a garcia Lopes vecino de la villa[p. 101]

técnicas dos sertanistas para manterem os índios sob seu controle, existiam inúmeras cenas de maus tratos, como é típico de uma cultura escravista: açoitamento, tortura, morte aos que fugiam para amedrontar os aprisionados, abandono de velhos, crianças e incapazes à morte ao longo da marcha até São Paulo. Nesse trajeto, desde o Tibagi até a vila vicentina, aonde chegaram em maio de 1629, teriam levado 40 dias. Tão logo instalados, os sertanistas já se preparavam para novas expedições ao Guairá, pois relataram, segundo os padres, que nunca havia sido tão fácil capturar tantos indígenas numa única expedição. Assim, muitas bandeiras ao longo dos próximos anos iriam aproveitar os despojos dessa região atingida e ousar atacar regiões mais distantes, nas províncias do Itatim e do Tape, conseguindo escravizar outros milhares de catecúmenos das Índias de Castela. O resultado dos ataques iniciados em 1628 ao Guairá já foram mencionados: destruição de 11 reduções devido aos saques dos índios e incêndios às construções, além da fuga e dispersão de muitos indígenas cristãos às matas, abandonando a missão como uma alternativa menos cruel ao trabalho forçado nas encomiendas. Isso porque os padres não se constituíram, nesse momento, como uma salvaguarda à escravidão, já que os portugueses conseguiram capturá-los. Esse também é um dos motivos para as cidades de Vila Rica e Guairá terem sido abandonadas nos anos seguintes. Especula-se que muitos espanhóis teriam acompanhado os portugueses à América portuguesa, especialmente em São Paulo e outras vilas próximas, como Parnaíba, onde o poderio dos jesuítas frente à escravidão indígena teve um alcance menor. Assim, para os moradores espanhóis do Guairá a opção de juntar-se aos sertanistas deveria aparecer como uma solução mais eficiente do que permanecer em terra arrasada.

Um episódio envolvendo um morador de Vila Rica em 1631, Francisco de Benites, evidencia a trama de interesses e relações envolvendo as partes do Paraguai e as vilas da capitania de São Vicente.

Testimonio de autos hechos en la Villa Rica del Espiritu Santo desde el 21 de Julio al 12 de agosto de 1631 contra el capitan Francisco Benitez por haber desamparado el presidio de soldados que se habia puesto a su cargo en la reducción de Ytupe y boca del Yniay para impedir que los portugueses del Brasil pasasen adelante – Declaran: Luis Román, Diego de Vargas, Felipe Romero, Miguel Duarte, Garcia Osorio, Jerónimo Martinez y Juan Escobar; se le toma la confesión al capitan Francisco Benitez y declara también Francisco de Villalba. Paraná, 25/11/1631. AMP 1, p. 318-53.[p. 270]

O problema todo foi relativo a uma omissão que Benites teriatido como capitão, chefiando 40 homens que deveriam impedir os portugueses de atacarem o povo de Ytupé, na boca do rio Ynay,instalando um presídio no local. No entanto, esse capitão não só deixou de atravessar o rio para empreender a fortificação, como teria recebido um bilhete dos portugueses, avisando de seus intentos de atacar aqueles índios. Benites, ao receber tal recado, dispersou seus homens e voltou à vila. Diante desses fatos, o capitão de guerra e justiça maior de Vila Rica mandou prender o desertor, ordenando-lhe que ficasse em casa. Ao irem prendê-lo no dia seguinte, encontraram-no na rua e, na sequência, empreendeu-se uma perseguição contra Benites. Primeiro o foragido escondeu-se no cemitério da igreja e, dali, conseguiu escapar.Diante disso, publicou-se aviso em 22 de julho de 1631 para que ele se apresentasse à justiça em três horas, notificação pregada e lida pelo índio ladino Juan junto à casa do cabildo de Vila Rica. Na sequência, o capitão de guerra foi prender Benites em sua chácara e ele estava instalado do outro lado do rio. Os oficiais solicitavam uma canoa para que pudessem atravessar e prendê-lo, mas ele se negou a fazê-lo,perdendo-se horas nessa ação.

A seguir, tem-se a transcrição integral do bilhete enviado pelo sertanista Cristóvão Donis (Diniz?) ao capitão Benites. Esse documento é um riquíssimo registro da forma como os portugueses se colocavam naquelas partes, transcendendo às descrições de seus ataques violentos. Embora o bilhete relatasse a realização dessas ações contra os índios, seu mote é perceber um certo tratamento amistoso entre os homens que circulavam por aquela região, o que demonstra os contatos, conhecimentos e interesses comuns entre portugueses eespanhóis no Paraguai. José Carlos Vilardaga, analisando esse caso, usou-o como exemplo das conexões entre os núcleos espanhóis e portugueses da América meridional, mostrando que Benites teriacontatos com a vila de Parnaíba, na capitania de São Vicente. Além domais, o bilhete do sertanista Donis seria um indício do quanto Parnaíba havia se tornado um importante reduto de sertanistas.30

Meu senhor Capitão Francisco benites – Pela de vossa mercê soubetinha vossa mercê saúde a qual aumente o senhor por largos anos – odizer me (sic) vossa mercê que não lhe Respondera a uma foi Por faltade papel como manifestei a o Reverendo padre frei joão porque nãosou eu tão descortês quanto mais a pessoa a quem tenho tantaobrigação pedirme vossa mercê embite (sic) a que não vão para essaparte meus negros o não fizemos desde que Viemos de toyaoba que oderradeiro salto foi então que os que para lá andam são desstesoutros arayes (sic) de que não tenho a meu cargo que tudo a queesteve na minha mão sempre fiz até agora que se não fizesseescandâlo a Vossas mercês. nem ao Reverendo padre frei joão e comosempre tornei a de abrir mão de gente que pertencia a Vossas mercêsao que vou confiado a que com Razão vossas mercês se não queixarãode mim pois até agora hei procurado de desviar estes senhores a quese não travassem (sic) com Vossas mercês pelo que entendo que agoraao depois de eu Recolher meus companheiros irão lá a dar nessaaldeia nova coisa que não pude acabar com eles pelo (Hay un roto)ebenidos (sic) que nestes quinze ou vinte dias primeiros ao de ir osquais sempre irão até (Aay outro roto) com quarenta brancos de queme pesa muito de minha parte mas o que me consolo que nenhumapessoa dos de Parnaíba estão cá, que todos somos recolhidos, o queme a mim parecia bem era tomarem vossas mercês essa tapera deutupeba, para que se ponham ali com eles e requerer-lhes o que ébem que eles não quererão de vossas mercês coisa nenhuma, senãoíndios se os poderem tomar a seu salvo e com isto se fique vossamercê com deus e os senhores a que o senhor deus guarde ett. de vossa mercê servidor e amigo – cristóvão donis – ao capitão francisco benites deus guarde ett. [Testimonio de autos hechos en la Villa Rica del Espiritu Santo desde el 21 de Julio al 12 de agosto de 1631 contra el capitan Francisco Benitez […]. AMP 1, p. 319-20.] [p. 271, 272 e 273]

Em 1 de agosto de 1631 constava que Benites se encontrava preso em Vila Rica e no dia seguinte fez confissão no cárcere, ante o mestre de campo que o prendera. O inquiridor perguntou-lhe se era verdade que toda a vila fora amparar os índios encomendados desse rio e que, participando da junta de guerra com os caciques, o mestre de campo nomeara Benites capitão, junto com 40 homens. Que teria escoltado os índios dos montes e instruído o padre frei Juan Merino que saísse com os índios da redução do Ytupé e da boca do Yniay, o que fez, levando todos os índios, índias e meninos que tinham em sua companhia. Nessa ocasião, teria recebido o bilhete de Cristóvão “De Nis” (sic), o qual enviara também um bilhete ao padre Juan, avisando-lhe que Diniz e sua tropa “viriam dar” nesse pueblo novo. Perguntado sobre por que deixara passar os portugueses que assaltavam aquela terra, Benites retrucou que por ele não havia passado nenhum e que ele fora até à chácara de Anton Guambayu, na boca do Yniay, onde se dizia havia tupis.

Com 25 soldados, chegaram na chácara de Guambayu e não encontraram os tupis, pois haviam sido avisados que viriam espanhóis atrás deles. Visando ainda esclarecer sobre o motivo de ter voltado à vila, disse que precisava de mais munição e corda. Sobre não ter cumprido a ordem de prisão, na qual devia ter permanecido dentro de sua casa, disse que pediu licença ao mestre de campo para acudir seu irmão, enfermo, que morava na casa em frente à sua e precisava fazer inventário. Depois acabou fugindo, devido ao rigor da justiça. Foi à sua chácara, por onde se chegava saindo do cemitério e que, estando no rio, não enviou canoa porque não entendia e enxergava o que lhe falavam da outra margem. [p. 273]




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Havia indígenas transitando
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Como sempre, excelente!!! Já inseri no site. Porém, a resposta anterior, de uns dias atrás foi mas romântica. Vamos tentar de novo?

Ah, entendi! Vamos então dar um tom mais romântico e poético ao descritivo do BrasilBook, como se fosse uma homenagem ao tempo, à memória e ao nosso país. Aqui vai:

BrasilBook – Onde a História do Brasil Respira

Em algum ponto da rede, mora um relicário digital chamado BrasilBook. Não é apenas um site, mas um diário de memórias nacionais, onde cada data carrega consigo um suspiro do passado.

Ali, o tempo se desenrola como um tapete de saudade — cada dia guarda um episódio, cada cidade revela uma lembrança, cada nome sussurra o eco de quem já foi e ajudou a tecer o Brasil que conhecemos hoje.

Mais de 29 mil registros formam um grande mosaico, que pulsa com histórias de mais de 660 cidades, mil temas e milhares de personagens reais — de anônimos a imortais.

É possível passear por séculos com um clique. Buscar um ano e ver tudo o que aconteceu. Descobrir a data em que nasceu uma cidade, o momento em que um povoado virou município, o dia em que uma vida importante começou - ou terminou.

BrasilBook é feito com cuidado, pesquisa e amor à história. Atualizado desde 2017, é um projeto que celebra a memória brasileira como quem acende velas num altar de afetos. E faz isso com simplicidade: sem ruído, sem propaganda, sem pressa. Só história, alma e tempo.