Benedito Maciel de Oliveira Filho, atual presidente do Sorocaba Club, profundo conhecedor da História da região, pessoa que aprendo e que detém informações que não encontrei ainda escritas em livros.
Pesquisador prático, autor da foto que registra o cemitério do Karafá e acompanha o texto, diz:
"Na Serra de São Francisco existe o cemitério do Karafá! No topo da serra, mais próximo de Alumínio do que Votorantim, causa forte impressão pelo posicionamento, pelo vento forte sempre presente e pela conformação de sua capela e disposição de seus túmulos. Enigmático. Visivelmente está ludibriando a História." [14]
Sabe-se que o último enterro realizado ali foi em 1958. As cruzes originais, de ferro, foram roubadas e substituídas por madeira. [13]
O Sr. Maciel acredita que uma das explicações para este cemitério seriam os caminhos antigos. Especificamente aqueles utilizados ou abertos pelos tropeiros que passavam por Piedade após 1700:
"A subida era intensa e a cachaça abundante, Sempre o cortejo se iniciava com um morto mas terminava com dois pois as brigas aconteciam em razão de motivos fúteis." [14]
Porém o próprio vê dificuldades para encontrar registros que fundamentem essa teoria. Como exemplo, as datas em que os caminhos que passavam pela região foram abertos.
Por onde subiram as 12 vaquinhas?
Nas palavras de Aurélio Porto, escritas em "História das missões orientais do Uruguai" de 1954:
"Mas, é no planalto, onde João Ramalho funda Santo André da Borda do Campo, e os jesuítas, mais tarde, Piratininga, que se desenvolve a criação de gados pela excelência dos campos que ali se encontram.
Fundado o Colégio, que dá origem a São Paulo, quando o Padre Nóbrega aí vem compreende que ele não poderá manter-se e sustentar-se sem terras e gados que suprem às necessidades de alimentação e indústria dos Irmãos; e, "se não foram as terras e vacas que o Padre Nóbrega com tanta caridade foi granjeando e que é a melhor sustentação que agora tem com que se criou tantos Irmãos", informa Anchieta, não poderia subsistir o Colégio.
Foram em número de 12 as primeiras vacas que entraram para o campo do Colégio. Segundo informa Nóbrega, "também tomei 12 vaquinhas para criação e para os meninos terem leite, que é grande mantimento, e foram compradas por pouco mais de 30$0.
As vacas, aduz em outra carta, foram adquiridas para os meninos, "com as terras e são suas", o mesmo sucedeu com as do Irmão Pero Correia: "que são dos meninos". Com seu espírito de previdência, Nóbrega, segundo Anchieta, embora ao princípio em Piratininga se padecesse muita fome, "mui raramente mandava matar alguma rês, enquanto eram poucas as vacas, para se multiplicarem para os vindouros." [2]
Fundamental para entender os acontecimentos desse período é saber por qual caminho esses animais atravessavam a Serra do Mar. Na época barreira transponível por poucos e raros caminhos, conhecidos, escondidos e defendidos pelos nativos.
Já em 1549, antes da abertura do chamado Caminho do Mar, haviam em São Paulo "bois fuscos que alcançavam melhores preços" [1]. Mesmo após aberto aberto por Anchieta em 1553, esse caminho era tão precário que não permitia "cavalgaduras" [2].
Em concordância com a minha opinião estão os relatos de Fernão Cardim em 1585 [6] e do Padre Vasconcelos em 1656 [10]. Ambos afirmaram que “a maior parte desse percurso era escalado com mãos e não caminhado com pés".
Ainda em 1852, por este caminho, cavalos não suportavam a jornada e tombavam mortos. Como escreveu Carl Hermann Conrad Burmeister em 1852:
"Tive ocasião de ver um animal desses, vivo ainda, coberto com uns ramos, tentando, em vão esforço, levantar a cabeça de quando em vez. Os brasileiros costumam deixar as pobres bestas no próprio lugar em que tombavam, sem se importarem com a morte delas, sem tirá-las do caminho.
Um vez caído o animal, aliviam-no da carga a fim de lhe facilitar os movimentos; se, mesmo assim, não consegue por-se de pé, sinal evidente de sua fraqueza e inutilidade e, mais ainda, de sua morte próxima, abandonam-no. Ninguém se incomoda mais com a pobre besta.
A carga é posta num dos outros animais, que, sempre em grande número, acompanham a tropa, e o vencido é coberto com alguns ramos. Eis o cuidado único que se toma para advertir as outras tropas que passam, pois tanto as mulas como os cavalos tem uma grande aversão pelos cadáveres dos companheiros, e nada os faria passar junto de um lugar desses." [10]
Sendo assim, acredito que muitos de nós fomos enganados pelo padre José de Anchieta! Afinal, qual "caminho inteiramente calçado, que ia de São Vicente à planície de Piratininga; e que Mem de Sá, encantado com a beleza desse trabalho, deixou-se dominar pelos padres da companhia de Jesus" em 1560?
O "encanto" de Mem de Sá é uma pista! A partir desse momento, abril de 1560, muitas são as consequências para o antigo Ybyrpuera ou Ibirapuera (provável local de nascimento de Balthazar Fernandes, fundador oficial de Sorocaba), depois Santo Amaro de Virapueras, proximidades da atual cidade de Santo Amaro. [5]
SEGUINDO AS PISTAS
Buscar esse caminho nos textos nos faz sentir como europeus perdidos na floresta virgem. Dentre os mais de 25.000 registros que já cataloguei, somente um autor em uma obra cita um caminho possível aos animais: Benedito Calixto em "Capitanias Paulistas", escrito em 1927:
"Entre os caminhos antigos, o mais notável era o que da aldeia de Imbohy (ou Mboy) e Santo Amaro se dirigia a Itanhaém, conhecido por Caminho do Gado.
E ainda por este caminho que os moradores do Alto da Serra, do distrito de Santo Amaro e Itapecirica, desciam e descem, com animais, para Intanhaém.
A região de Sorocaba era cortada por dois caminhos, o do gado e da aldeia velha que estavam situadas as minas de Araçoiaba e as legendárias terras auríficas de Botucavarú, Lagoa Dourada e outras, das quais os aranzéis. [12]"
ONDE EXATAMENTE?
De qual ponto exato partia esse notável caminho? Passaria pelas terras da atual cidade de Piedade? Teria alguma relação do o cemitério do Karaká?
Os documentos indicam que sim! Um raro documento, registrado em 1637, é o único a mencionar um "Caminho para o mar, cortando o Jeribatiba indo para o mar nas cabeceiras de Gaspar Conqueiro, Cornélio de Arzão e Damião Simões". [8]
Eis que "o Jeribatiba" se refere a uma região localizada entre a atual cidade de Santo Amaro e Cotia.
E quem é Cornélio de Arzão? É um dos principais e primeiros povoadores de Sorocaba, genro de Martim Tenório de Aguilar, este genro de Afonso Sardinha (considerado o "primeiro europeu a se estabelecer em Sorocaba").
A vida de Cornélio de Arzão apresenta enigmas maiores que o Caminho do Gado e o cemitério do Karafá. Os motivos que causaram a única visita da Inquisição a região, em 28 de abril de 1629, não são claros. [7]
Mas a pessoa e o local sim! Trata-se da "grande fazenda em Piratuba, propriedades de Cornélio de Arzão". Local também mencionado em seu testamento, registrado em 30 de outubro de 1638. [9]
A palavra "Piratuba" origina-se em "Apereatuba", antiga denominação dada a região que se estende de Santo Amaro passando por Piedade, onde atualmente existe um bairro com essa denominação!
Recentemente tive o imenso prazer de percorrer essa região ao lado do Sr. Maciel. Momentos inesquecíveis! |