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Bondes, bois, carros, cavalos, greves, mulas, ônibus e trens
21/05/2022

A foto que acompanha o texto, feita em 1938, registra veículos na rua São Bento que representam diversos períodos da nossa História: charretes, automóveis e bondes. [48]

Entretanto quase 10 anos antes, em 2 de fevereiro de 1930, sob o título “Os carros de bois: a condenação desse antigos veículos”, o jornal O Estado de São Paulo publicou o seguinte texto:

"Começou a ser observado hoje o dispositivo da lei municipal n° 219, que proíbe a entrada na cidade de carros á tração bovina, veículos esses que ficam ainda impedidos de transitar nas estradas que a Câmara está construindo nos moldes das rodovias estaduais.

O nosso município chegará a estabelecer o recorde quanto ao número de carros de bois e, mesmo até á época da primeira modida (? é assim que está escrito) limitando ação dos mesmos nas estradas e ruas de Sorocaba, ficavam em plano inferior outros meios de condução de carga, inclusive carroças.

Em tais circunstâncias exigia muita cautela, para que não fossem prejudicados os lavradores, toda e qualquer medida visando o extermínio do carro de eixo móvel e isso foi compreendido quando, já no período administrativo do sr. capitão Augusto César do Nascimento Filho, se registrou o primeiro passo para a ideia se tornasse realidade dentro de alguns anos.

A repressão caminhou, assim, pouco a pouco e agora, com a providência posta em prática de hoje em diante, não mais percorrerá as ruas o antiquado veículo, reservado doravante aos caminhos mais afastados e que não exigem, pela sua condição subsidiária, cuidados especiais.

Certa vez tivemos necessidade de responder a um missivista que criticara, pelo "O Estado de São Paulo", a existência de carros de bois numa cidade adiantada como Sorocaba: com a nossa interferência ficaram patentes as razões que não permitiam proibição radical, de um momento para outro, desde que se quisesse respeitar o direito de tanta gente.

O missivista pode atualmente apreciar o acerto da nossa precaução observada, pois o carro combatido desapareceu como devia desaparecer, sem os prejuízos que resultariam, sem dúvida, de qualquer disposição antecipada.

A história do veículo á tração bovina é a História do Brasil colonial. A sua utilidade é relativa, entretanto, nesta época de progresso, vencido que foi ele, quase completamente, pelo caminhão a motor, pela carroça, etc. E daí naturalmente, a previsão do seu fim, que se avizinhava num município recordista, nesse particular.

O chiado ensurdecedor, que obrigava comumente a suspensão das aulas nas escolas, a passagem do carro de bois, fora de ha muito evitado, por imposição dos administradores municipais, e diante disso muitos carreiros, aqueles que viam no anúncio gritante dos eixos o compasso para a marcha regular dos animais encangados, puseram-se em greve e depois, mal sucedidos, desistiram do mister, ficando nas roças.

Mais tarde foi reclamada a substituição do eixo, que deveria ser fixo, levando ainda rodas de raios, e essa nova medida envenenou novamente os interessados, e outros carros, em apreciável quantidade, foram postos á margem; veio agora a regulamentação da lei n° 210 de dezembro do ano próximo passado, apertando ainda mais o cerco em que se encontra, irremediavelmente perdido, o antiquíssimo veículo."
[47]

História

A História dos veículo de transportes de Sorocaba está profundamente ligada a Brasil! Durante maior parte dela, Sorocaba esteve a frente de São Paulo.

Quanto a intensidade dessa ligação, discordam os autores! Afonso d´Escragnolle Taunay em 1929 escreveu na obra "Urbanismo incipiente seiscentista":

Datada de 1700, obra de vulto, é a que solenizaria a passagem do século XVII, a construção da ponte do Rio Grande de Guaré (o Tietê), a tão popular Ponte Grande (...) Era a primeira obra de grande engenharia que se realizava na capitania de São Vicente.” [4]

E grande maioria do escritos, como a Revista do Arquivo Municipal de São Paulo registra em 1942, que:

é de notar que em época tão remota já o fundador de Sorocaba tivesse construído a maior ponte que existiu em todo o sul do Brasil até o Senhor D. Pedro I” [49].

O testamento da segunda esposa de Balthazar Fernandes, fundador oficial de Sorocaba, menciona a existência de uma ponte sobre Rio Sorocaba já em 1599, levantando a possibilidade da existência de carros de bois já naquela época. [2]

E de fato o testamento da esposa de outro povoador de Sorocaba, Martim Tenório Aguilar, menciona, neste mesmo ano, o primeiro e único carro de boi durante 200 anos de História.

Registrado em 21 de abril de 1632, o Inventário de Antônio da Oliveira, sua cunhada, registra a posse de um "burro castiço (de boa raça) avaliado em 4$000 quatro mil réis". O mesmo documento estabelece que uma vaca parideira estava avaliada em 1$200 réis.

São Paulo ainda não conhecia o burro nessa época. Os burros e as mulas foram introduzidos, em São Paulo e no restante do Brasil, somente a partir de 1732, cem anos depois. [3]

Aliás, o Monumento ao Tropeiro, doado à cidade pelo conde Francisco Matarazzo e instalado em 1954, deveria constar uma mula e não um cavalo [51]! O primeiro brasão de Sorocaba, adotado através em 1917 continham três mulas, diferente do atual que contém um mítico unicórnio [34].

Em 1854 a criação de uma companhia de cavalaria em São Paulo não se concretizou por falta de cavalos. É estranha essa falta de cavalos, em São Paulo, depois da metade do século XVIII e mais ainda no XIX; pois verifica-se que só no ano de 1751 passaram pelo registro de Curitiba, importados do extremo-sul e naturalmente com destino à feira de Sorocaba, nada menos de 6559 daqueles animais. [5]

Cronologia de algumas curiosidades

Antes mesmo da fundação da Estrada de Ferro Sorocaba houveram muitas denúncias contra alguns de seus principais diretores: Luiz Matheus Maylasky e Francisco Ferreira Leão. [6] Informações bizarras e estranhas. Algumas de suas atitudes, bizarras e estranhas, só seriam explicadas por “milagre”. [7]

Não por isso, mas a preocupação com a modernização começa a ganhar visibilidade maior. Em 13 de outubro de 1872 o texto publicado no jornal local "O Americano", intitulado "Alguns melhoramentos para esta cidade", mencionava uma nova localização para o matadouro municipal, retirando-o da região central. [8]

Em 1875 “todos sabiam que a Sorocabana teria deficit por não servir, então, terras cafeeiras”. [9] Na inauguração, em 10 de julho, a ausência do imperador D. Pedro II foi percebida em Sorocaba. O motivo: não faria bem para a "imagem" da família real se hospedar na casa do misterioso Matheus Maylasky. [10]

Acusado de diversos "erros" na administração da Estrada de Ferro, em 16 de maio de 1880 se retira de Sorocaba Luis Matheus Maylasky e diz: “a única recompensa que se deve aos bons e leais servidores: a ingratidão e a difamação”. É quando Francisco de Paula Mairynk assume. [11]

Em 1893 é fundada em Sorocaba a Casa Ferrucci, notável pela qualidade na produção e manutenção de charretes e carros de bois. [13]

Nesse ano a imprensa continuava a reivindicar a necessidade de melhoramentos urbanos e medidas embelezadoras, como, por exemplo, a construção de parques e a arborização dos logradouros. Porém, sob o novo regime, essas questões são tratadas de modo mais intenso.

É o caso de um artigo publicado no início de 1893, intitulado “Sorocaba e seu futuro”, escrito pelo engenheiro Joseph Bryan. Nesse texto, o autor não tem nenhuma condescendência com os arcaicos meios de transportes que ainda dominam as ruas da cidade, como os carros de bois, veículo “primitivo e bárbaro”:

“que puxado por cinco ou seis juntas de bois, conduzem um peso insignificante; gastam um dia para caminhar três léguas, martirizando os ouvidos e irritando os nervos dos pobres mortaes que habitam ou se encontram nos caminhos e ruas por onde estes trambolhos tem de circular.”

Refere-se ainda às tropas de muares como um meio de transporte atrasado e ineficiente, algo já sem sentido diante das comodidades do progresso. Dessa forma, Sorocaba deveria se livrar dessas “decrépitas antiguidades” e, para isso, conclama as lideranças locais a investirem seus capitais no transporte ferroviário.

Afinal, “Sorocaba deve lembrar-se de que não é mais a Sorocaba dos tempos passados; deve bem considerar que, só no seu perímetro, agazalha actualmente talvez mais de dez mil almas, e que, além das muitas industrias que progridem e florescem no seu seio, o sibilar da locomotiva que a visita diariamente, há dezoito annos, lhe grita várias vezes ao dia: Avante!” [14]

Também neste ano o francês Elisée Reclus visitou a região de Sorocaba, onde observou o comércio de muares e documentou o declínio da feira de muares, por ele atribuída, principalmente, aos caminhos alternativos criados pelos trilhos da Sorocabana, os quais permitiam fazer com que as mulas chegassem aos seus adquirentes finais, sem passar por este município.

Sem prejuízo de tais mudanças, as tropas cargueiras continuavam sendo essenciais ao transporte terrestre no interior do país, inclusive em Minas Gerais, onde um desenhista de sua equipe registrou o transporte de minério em lombo de mula. Suas constatações relativas a Sorocaba e à fábrica de ferro de Ipanema são as seguintes:

Sorocaba, situada a 111 quilômetros a Oeste de São Paulo, sobre um afluente meridional do Tietê oferece – caso virgem no Estado de São Paulo – a imagem da decadência. As estradas de ferro, que levaram a prosperidade a tantas outras cidades, arruinaram esta.

Foi outrora o mercado central de gado, e especialmente de mulas mandadas pelos criadores do Rio Grande do Sul, que os fazendeiros de Minas e das outras províncias vinham comprar. Muitas vezes se reuniam naquela feira perto de 200.000 animais; pode-se dizer que Sorocaba, graças à sua importância pelo lado da união econômica e comercial do Brasil, exerceu papel de primeira ordem para a unidade nacional.

As mulas do Rio Grande atravessam hoje, como dantes, os Estados de Santa Catarina e do Paraná e entram por Faxina no Estado de São Paulo. Mas chegando às diversas estações, são remetidas em grandes lotes pelas estradas de ferro para o interior e para o litoral [e assim] cada dia decresce o valor da feira de Sorocaba.

Perto dali também tem estado em risco de morrer outra indústria, a do ferro. A povoação de Ipanema, ou do “rio Inútil”, que tirou o nome do rio que coleia no vale e vai lançar-se no rio Sorocaba, é famosa em mineralogia pelas suas colinas de minério ferruginoso que fornece 70 a 80 por cento de metal puro e de excelente qualidade. Sem ser preciso desbastar a rocha, bastaria juntar os fragmentos desagregados, esparsos pelo solo, para alimentar por anos as maiores metalúrgicas.

Não obstante isto, o estabelecimento ali fundado em 1811 e que depois se transformou muitas vezes sob a tutela direta do governo, não prosperou; exemplo notável da incapacidade do Estado quando entra em concorrência com a indústria particular. Todos os trabalhos custam mais do que rendem, e o morro de ferro de Araçoiaba (970 metros) está quase desaproveitado.
” [15]

Um personagem importante nessa História chega em Sorocaba por volta de 1896: o austríaco Bernardo Lichtenfels veio com aproximadamente 27 anos, trabalhando inicialmente como guarda-livros na Estrada de Ferro Sorocabana.

Com seus domínios em mecânica e eletricidade, logo chamou a atenção de George Oeterer e Frank Speers, mas foi José Manuel da Fonseca fundador e proprietário da fábrica Nossa Senhora da Ponte que o convidou para ser gerente em sua empresa. [16]

No mesmo dia, 30 de dezembro de 1903, opositores políticos do jornal Cruzeiro do Sul tentam incendiar sua sede. [17]

Em 30 de dezembro de 1903 publicou a alteração de seu nome Bernardo Lichtenfels Júnior, em virtude da existência de várias pessoas com seu mesmo nome. [18]

Em 1904 Bernardo Lichtenfels adquiriu o primeiro automóvel de Sorocaba, trazido de trem de São Paulo pelo Sr. Tonglet da Casa Brown. Esse ano adquiriu de A.J. Byington a Empresa Elétrica, melhorando o serviço de iluminação da cidade e o mesmo tempo instalou a rede telefônica acelerando o progresso na cidade.

Prevendo que com o crescimento da cidade a usina a vapor não conseguiria atender ao consumo, decidiu adotar o sistema hidrelétrico. Comprou de Francisco Ferreira Leão a Fazenda Salto Grande de Itupararanga para a construção dessa nova usina. [19]

O segundo automóvel de Sorocaba também foi de Lichtenfels dessa vez comprado do prefeito de São Paulo, Antônio Prado em 1906 e trazido para Sorocaba por Francisco, que era chofer do prefeito. [20]

O PREFEITO E A GREVE

Em 1911 o Capitão Augusto César do Nascimento foi convidado pelo empresário Antonio Pereira Ignácio para dirigir a Fábrica Votorantim. Ele nasceu em 1º de julho de 1880, na cidade de Campinas. Filho do Coronel Augusto César do Nascimento e de dona Adelaide Roso do Nascimento, membros de uma tradicional família campineira.

Fez seus estudos no Colégio Culto às Ciências, de Campinas, formando-se Contador (...) Um fato marcante ocorreu no primeiro mandato do Capitão Nascimento (1914/1921) O Prefeito baixou um decreto proibindo a entrada de carros-de-boi pela zona central da cidade. [21]

A chegada da eletricidade foi também motivo para o declínio dos carros de boi. Em 1911 a São Paulo Eletric construiu uma represa para o fornecimento de 80 litros de água por segundo e oportunamente 12 km de canos até o Cerrado. [22]

Coincidência ou não, um edital é publicado em janeiro desse ano com objetivo de coibir a presença de animais vagando pela ruas da cidade através de sua apreensão pelos fiscais. Os donos poderiam recuperá-los mediante uma multa de 10$000 réis.

No caso dos cães, a multa seria de 20$000 réis, não ficando esses isentos de serem mortos pelos fiscais. Os cães deveriam ainda ser matriculados pelos seus donos. [23]

Em 8 de fevereiro de 1913 a Câmara dos Vereadores concede ao sr. Roberto Rankin a autorização para a instalação de bondes a tração elétrica na cidade. [24]

Em 5 de janeiro de 1914 o Capitão Augusto César do Nascimento Filho assume a prefeitura. [25] A expectativa gerada pela iminente introdução dos bondes elétricos na cidade, fazia com que aumentasse o estranhamento e a irritação a respeito dos velhos carros de bois.

A imprensa local repercutia esse estado de espírito de uma parte da população.

Em maio, o jornal Cruzeiro do Sul publica reportagem sobre o inconveniente causado pelo “barulho entontecedor que produzem os carros de eixo móvel usado pelos lavradores do município (...) Presentemente, com o grau de progresso a que atingiu, Sorocaba já não pode mais suportar esses costumes antigos conservados pelos que vivem longe da cidade.” [26]

A prefeitura consciente e em convergência com esses protestos, antes mesmo que o serviço de bondes fosse inaugurado, publica um edital, em maio de 1915, proibindo o tráfego dos carros de eixo móvel (os chamados de bois) nas ruas ocupadas pelos trilhos da São Paulo Electric, sendo tão somente permitido o cruzamento das linhas.

Esse foi o primeiro ato do poder público no sentido de tentar controlar o trânsito dos carros de bois em Sorocaba. No entanto, tal medida não foi suficiente para aplacar a irritação daqueles que se incomodavam com a presença e o barulho dos carros de bois e, por isso, lamentava-se o fato de não haver nenhuma lei municipal vedando o trânsito desses veículos no perímetro urbano. [27]

Em 31 de dezembro de 1915 os bondes começam a circular em Sorocaba. [28]

Em 11 de março de 1916 um cronista escreve que “nasceram numa cidade industrial, mas, ao que parece, desejam-na transformada numa tapera sertaneja, com um amontoado de casas inestheticas e sem higiene, com suas ruas atravancadas de tropas e carros de bois...” [29]

Em 31 de dezembro de 1916 um decreto proibia expressamente a entrada de carros de bois na cidade, por causa do rangido barulhento que faziam.

Essa medida provocou uma greve dos carreiros, os condutores dos carros de bois. Em episódio que ficou famoso na cidade, o prefeito municipal Nascimento Filho é chamado a negociar com os líderes do movimento. O encontro se realiza no bairro do Cerrado, então um arrabalde de Sorocaba e, desde o tempo dos tropeiros e das famosas feiras de animais, uma importante via de entrada para o núcleo urbano.

Lá chegando, o prefeito se deparou com um grande número de carros de bois, todos perfilados e carregados de lenha. Os líderes do movimento realizavam discursos inflamados. O prefeito tudo ouviu pacientemente, mas não cedeu e manteve a proibição. [30]

Nesse combate declarado, Nascimento Filho ainda aumenta a taxação desse meio de transporte e, como coloca no Relatório de 1917, tal medida não visava uma maior arrecadação para os cofres municipais, mas, citando o texto, [obedecia]

a uma necessidade de progresso, procurando gradativamente eliminal-os do número de veículos existentes, considerados, como são, incômodos pelo seu esquisito e ensurdecedor cantar e atravancadores como são de ruas, praças e estradas, como sempre se verifica, além do dano que acarretam a essas vias públicas, pelo seu arcaico sistema de construção produzindo sulcos enormes, grandes raspagens do solo ao virar para traz, entupimento de boeiros e sangras, além do perigo que oferecem ao público, quando na maior parte das vezes, acontece trazerem bois novos e bravos, como dizem os nossos carreiros: redomão.

Mas é interessante perceber que, não obstante todas essas considerações negativas e a exacerbação causada pelo arcaico meio de transporte, a prefeitura não ousou determinar a sua proibição completa. Indicando a significativa relevância desse veículo na vida do município.

Fato que a greve de 1917 colocou às claras, afinal, boa parte do abastecimento dos produtos para o mercado municipal era realizado através dos carros de bois, bem como o transporte de lenha para o consumo particular e para as fábricas da cidade. [31]

De qualquer forma, a proibição do canto dos carros “calou fundo” na alma dos carreiros e foi suficiente para precipitar a greve. Certamente tal medida foi vista pelos condutores dos carros de bois como uma forte provocação, pois tocava num costume arraigado.

Em 30 de janeiro de 1917 o jornal "A cidade de Sorocaba" publica um poema tratando de toda a situação, intitulado Greve dos Carreiros:

O Perfeito da cidade
agora deu de muitá
o carrero que fizé
O carro de boi cantá. [...]
É uma barbaridade, não se pode trabaiá;
Puis no que é que incommoda
O carro de boi cantá. [...]
É só mermo in Sorocaba
Que os carrêro tem azá,
O povo já injuô de vê
O carro de boi cantá? [...]
Puis intão com é que dexam
Os gramophone tocá?
deviam dexá também
O carro de boi cantá [...]
Quando nuè falta de lenha,
Não tê com que cuzinhà
Dexarão cum muito gosto,
O carro de boi cantà.
[32]

No entanto, essa foi uma daquelas “leis que não pegaram”, pois, só para mencionar um dentre vários casos de reclamação, um colunista da imprensa local, em 1917, reclamava do “desânimo” dos fiscais da prefeitura no sentido de fazer cumprir a legislação.

Dentre os vários pontos determinados pelas posturas, um que definitivamente não estava sendo cumprido era justamente o que se referia à presença de animais pelas ruas, particularmente os cães.

Assim, o articulista reclamava contra “a terrível malta de cães vadios, que, perambulando pelas vias públicas, trazem em completo desassocego a uma população urbana.”

E diante da situação, chamava a atenção dos senhores fiscais para que compreendessem “que a postura do município não foi redigida, approvada, promulgada e impressa para inglez ver; a sua applicação se impõe para a tranquilidade, segurança e conforto dos municipes.

A nossa população essencialmente operaria, está sujeita a um horario, que a obriga a levantar-se cedo. Ora, com as correrias, disputas e infernal orchestra nocturna da canzoada vagabunda é humanamente impossível conseguir-se o somnoconfortante paras os exhaustivos trabalhos diarios.”
[33]

Em abril de 1917 aparece referência à sociedade protetora dos animais, indicando a tentativa de uma mudança de mentalidade no que se refere ao trato com os animais. Algo significativo numa cidade de tradição tropeira.

Nesse sentido, a criação de tal sociedade pode ser compreendida como mais um entre os vários ícones de modernização desejados por alguns segmentos da sociedade sorocabana; algo que tornaria a cidade mais civilizada e condizente com a imagem de uma Manchester do interior do Estado. Ao que tudo indica, a sociedade protetora dos animais foi criada em 1917.

Pelo menos é o que foi anunciado à época. Uma iniciativa que contava com o apoio do próprio prefeito, Nascimento Filho, bem como do jornalista Camargo César. A imprensa local, representada pelos jornais Cruzeiro do Sul e A Cidade de Sorocaba, parabenizava a idéia, pois tal sociedade poderia ajudar a coibir os inúmeros abusos que se cometiam diariamente contra os animais. [35]

Em 6 de julho de 1917 o jornal Cruzeiro do Sul reistra: “Greve geral: Em Sorocaba spadins foram necessários para conter a multidão”. [36]

Erram os que afirmam que "a morte do sapateiro espanhol José Martinez em 9 de julho em São Paulo teria sido o estopim para a Greve Geral"? Foi a primeira greve geral da história do Brasil e durou 30 dias. [37]

Em 9 de março de 1920 o jornal Cruzeiro do Sul publicava uma coluna denominada "Reparos", cuja proposta era realizar críticas à administração citadina, como também à população, orientado a todos no sentido de se proporcionar um cenário urbano saneado e moderno.

Nesse sentido, um aspecto interessante das críticas se voltava para a persistência das práticas tropeiras no âmbito urbano e com ela a violência contra os animais:

“Ainda um desses dias presenciamos uma dessas bellas scenas. O burro não podia com a carroça e o carroceiro, ao envez de auxiliar o animal, esbordoava-o impiedosamente, proferindo palavras que fizeram arrepiar os fios de cabellos dos vários circunstantes que alli se achacam.” [38]

A grande quantidade de cabras, cavalos e até mesmo vacas em alguns logradouros, isso a despeito de algumas medidas eficazes tomadas pela prefeitura, mas os abusos continuavam. [39]

Em 6 de abril de 1920 outra publicação descreve uma triste cena:

“Ás 11 horas de quarta feira passada, em plena praça Frei Baraúna, presenciamos uma triste cena, para qual chamamos a atenção dos ilustres senhores da Protetora dos Animais. É o caso que um boi de carro estava com uma enorme ferida na paleta do lado esquerdo, escorrendo sangue.

Era tal a quantidade de sangue que a canga estava já em misero estado de Sentimos não ter tomado o número da chapa de tal carro, afim de podermos expor ao conhecimento publico a bonhomia ou malvadeza do carreiro. E o caso não é o único que temos visto. São muitos os bois nesses condições. Alerta, pois, srs. da Protectora, os vossos cuidados estão sendo reclamados com urgências.”
[40]

Em 11 de setembro de 1920, outro escrito exprimi a situação:

“Não sabemos mais para quem appelar. Os abusos, as contravenções aos códigos, as desobedienciais às posturas municipaes chegaram, estes últimos tempos, ao ultimo ponto, devido ao estado de completo abandono em que foram jogados os negócios municipaes.

Ontem, pela décima quinta vez vimos dois domadores montando burros bravos, atravessarem a ponte e seguirem, tranqüilamente, a rua Souza Pereira, como se estivessem em plena campanha riograndense! Um destes últimos dias os destemidos tropeiros amarraram um burro num poste da Telephonica, perto do rio Sorocaba. Era um espetáculo digno de admiração, tanto que havia muita gente nas immediações para gosar com aquellas maravilhosas scenas”.
[41]

Uma reportagem publicada pelo jornal Cruzeiro do Sul em 1925, tratando dessa mesma questão, menciona a existência de cerca de oitocentos carros a tração bovina em Sorocaba, por volta de 1918.

O que ressalta o caráter ainda incipiente da modernização da cidade e que os ritmos da desejada Manchester Paulista ainda estavam profundamente entrelaçados com os ritmos do tropeirismo e das práticas das comunidades tradicionais caipiras. [42]

Jornal Correio de Sorocaba se indagava sobre a real existência da Sociedade protetora na cidade. [43]

Em 21 de outubro de 1926, a cidade já não se mostrava tão dependente do vetusto artefato e exibia a esperança de que ele fosse definitivamente substituído pelos modernos caminhões ou, ao menos, pelas mais silenciosas carroças. [44]

Em 6 de fevereiro de 1927, começava a circular o primeiro ônibus em Sorocaba, que nessa época era bem diferente dos ônibus atuais: eram abertos dos lados como os bondes e eram chamados de “jardineiras”. [45]

Porém a péssima condição das estradas municipais obrigou um recuo por parte da administração municipal, permitindo o trânsito de tais veículos nos pontos de entrada da cidade. A publicação de um novo edital em 1929, reiterando a proibição anterior, denota que o venerável artefato seria uma presença constante, pelo menos até os arrabaldes da cidade, ainda por algumas décadas.

O perímetro urbano era, portanto, perpassado por uma série de temporalidades, equipamentos, pessoas e uma enorme quantidade de animais; essa mistura de ritmos temporais contrariava os segmentos desejosos de uma modernização completa da cidade, os quais, evidentemente, almejavam um cenário urbano escoimado de práticas e equipamentos vetustos. [46]

Augusto César do Nascimento Filho faleceu em 15 de novembro de 1952. [50]

CIDADES RELACIONADAS

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RELACIONAMENTOS

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Algodão37 registros
Afonso Sardinha, o Velho181 registros
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Câmara Municipal de Sorocaba252 registros
Frank Speers16 registros
George Godofredo Oetterer14 registros
Manuel José da Fonseca12 registros
Incêndios31 registros
Antônio Pereira Inácio24 registros
Paulo do Amaral11 registros
Francisco de Paula Mayrink21 registros
Fontes/Referências:

[1] "Memória História de Sorocaba (I)" Aluisio de Almeida p.336;337 / “Peabiru” de Hernâni Donato do IHGSP (10/1971) p. 10 / ALFREDO MARIO SAVELLI (2009) p.145 / "Memória histórica de Sorocaba (I)" p.336 / Evolução Urbana de Sorocaba (2012). Andressa Celli (USP - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) p.44 / “Os Cavaleiros Templários e o caminho de Peabiru” (14.09.2018) Professor Jorge Ubirajara Proença

[2] Memória Histórica de Sorocaba p.343 / "Baltazar Fernandes: Culpado ou Inocente?" p.71

[3] “Baltazar Fernandes: Culpado ou Inocente?”

[4] Urbanismo incipiente seiscentista, 1929. Afonso d´Escragnolle Taunay

[5] Tropas e Tropeiros na Formação do Brasil, 1961. José Alípio Goulart. Página 31.

[6] Jornal Diário de São Paulo, 12.09.1872

[7] Diário de SP (12/09/1872)

[8] Jornal o Americano

[9] "Memória Histórica de Sorocaba VII" Aluísio de Almeida p.141

[10] Eric J. HOBSBAWM, Era do Capital. 1848 – 1875 / Antonio Francisco GASPAR "Bodas Brilhantes: 10 de julho de 1875!" p. 8. / ENTRE A REVOLUÇÃO E O CORPORATIVISMO - Adalberto Coutinho de Araújo Neto (2006) / belgianclub.com.br

[11] Correio Paulistano

[12] Revista de Direito da Cidade: “Cidade dividida: Sorocaba e o zoneamento urbano de 1914”, 2015. Thiago Pedrosa Mattos, Ana Maria Reis de Goes Monteiro. Página 1810.

[13] https://brasilbook.com.br/r.asp?r=23772

[14] Fisionomia da cidade: Sorocaba – cotidiano e desenvolvimento urbano – 1890-1943, 2008. Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho. Páginas 54 e 55

[15] Élisée Reclus. Estados Unidos do Brasil – Geografia, Etnografia, Estatística. Rio de Janeiro : Garnier, 1899, p. 336 a 338

[16] Sorocaba Através da História, sorocabaatravesdah.wixsite.com consultado em 17.045.2021

[17] https://brasilbook.com.br/r.asp?r=6275

[18] Sorocaba Através da História, sorocabaatravesdah.wixsite.com consultado em 17.045.2021

[19] Sorocaba Através da História, sorocabaatravesdah.wixsite.com consultado em 17.045.2021

[20] Sorocaba Através da História, sorocabaatravesdah.wixsite.com consultado em 17.045.2021

[21] Revista de Direito da Cidade: Cidade dividida: Sorocaba e o zoneamento urbano de 1914, 2015. Thiago Pedrosa Mattos, Ana Maria Reis de Goes Monteiro. Página 1811.

[22] https://brasilbook.com.br/r.asp?r=9139

[23] Fisionomia da cidade: Sorocaba – cotidiano e desenvolvimento urbano – 1890-1943, 2008. Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho. Páginas 171 e 172

[24] https://brasilbook.com.br/r.asp?r=15146

[25] Revista de Direito da Cidade. Cidade dividida: Sorocaba e o zoneamento urbano de 1914, 2015. Thiago Pedrosa Mattos, Ana Maria Reis de Goes Monteiro. Página 1811.

[26] Fisionomia da cidade: Sorocaba – cotidiano e desenvolvimento urbano – 1890-1943, 2008. Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho. Página 167

[27] Edital nº 32 do exercício de 1915. Cruzeiro do Sul, 21/05/1915

[28] https://brasilbook.com.br/r.asp?r=6091

[29] Fisionomia da cidade: Sorocaba – cotidiano e desenvolvimento urbano – 1890-1943, 2008. Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho. Páginas 68 e 69

[30] Fisionomia da cidade: Sorocaba – cotidiano e desenvolvimento urbano – 1890-1943, 2008. Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho. Páginas 167 e 168

[31] Fisionomia da cidade: Sorocaba – cotidiano e desenvolvimento urbano – 1890-1943, 2008. Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho. Página 168

[32] Fisionomia da cidade: Sorocaba – cotidiano e desenvolvimento urbano – 1890-1943, 2008. Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho. Página 169

[33] Fisionomia da cidade: Sorocaba – cotidiano e desenvolvimento urbano – 1890-1943, 2008. Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho. Página 172

[34] Brazões e Bandeiras do Brasil, 1933. Clóvis Ribeiro. Páginas 250, 251 e 252

[35] Fisionomia da cidade: Sorocaba – cotidiano e desenvolvimento urbano – 1890-1943, 2008. Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho. Página 80

[36] Jornal Cruzeiro do Sul, 06.07.1917

[37] https://brasilbook.com.br/r.asp?r=5168

[38] Fisionomia da cidade: Sorocaba – cotidiano e desenvolvimento urbano – 1890-1943, 2008. Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho. Página 170

[39] Fisionomia da cidade: Sorocaba – cotidiano e desenvolvimento urbano – 1890-1943, 2008. Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho. Página 171

[40] Fisionomia da cidade: Sorocaba – cotidiano e desenvolvimento urbano – 1890-1943, 2008. Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho. Página 170

[41] Fisionomia da cidade: Sorocaba – cotidiano e desenvolvimento urbano – 1890-1943, 2008. Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho. Página 173.

[42] Fisionomia da cidade: Sorocaba – cotidiano e desenvolvimento urbano – 1890-1943, 2008. Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho. Página 171. Páginas 168 e 169

[43] Fisionomia da cidade: Sorocaba – cotidiano e desenvolvimento urbano – 1890-1943, 2008. Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho. Página 171

[44] Jornal Cruzeiro do Sul, 21.10.1926

[45] “A conturbada história da chegada dos ônibus em Sorocaba”, Sorocaba Através da História, 24.04.2033. Sandro Aranha, facebook.com/sorocabaatravesdahistoria

[46] Fisionomia da cidade: Sorocaba – cotidiano e desenvolvimento urbano – 1890-1943, 2008. Rogério Lopes Pinheiro de Carvalho. Páginas 169 e 170

[47] “Os carros de bois. A condenação desse antigos veículos”, 02.02.1930. Jornal O Estado de São Paulo.

[48] Foto de Wilson Fernandes, acervo de Lembranças Sorocabanas

[49] Revista do Arquivo Municipal, Volumes 85-87, 1942. Página 204

[50] Revista de Direito da Cidade. Cidade dividida: Sorocaba e o zoneamento urbano de 1914, 2015 Thiago Pedrosa Mattos, Ana Maria Reis de Goes Monteiro. Página 1810.

[51] https://brasilbook.com.br/r.asp?r=8690

[52] “A conturbada história da chegada dos ônibus em Sorocaba”, Sorocaba Através da História, 24.04.2033. Sandro Aranha, facebook.com/sorocabaatravesdahistoria



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