D.ª Amélia de Leuchtenberg: a vida da imperatriz após a morte de D. Pedro I
30 de junho de 1829, terça-feira. Há 195 anos
Em 30 de junho de 1829, o matrimônio de Dom Pedro I foi ratificado em Munique, pela mãe e tutora da noiva, a Duquesa de Leuchtenberg.
Quando D. Pedro, após abdicar da coroa imperial em favor de seu filho¹, embarcou para a Europa a 13 de abril de 1831, viajaram com ele a Imperatriz Amélia de Beauharnais e Bragança (já no início da gravidez da única filha do casal, Maria Amélia Augusta), a jovem rainha de Portugal, D.ª Maria e o irmão de D.ª Amélia, Augusto de Leuchtenberg.
Era a mesma real comitiva que dois anos antes tinha feito a viagem em sentido contrário, quando uma D.ª Maria, então com 10 anos de idade, se viu rechaçada em primeiro por seu tio e teórico marido D. Miguel, o qual preferira fazer-se aclamar rei absoluto de Portugal, depois pelos governos conservadores de Inglaterra com Jorge IV e Wellington, e da França com Carlos X. D.ª Amélia de Leuchtenberg se converteria na guardiã inseparável da sua enteada.
Em 22 de Setembro de 1833, quando ainda durava a guerra civil, a madrasta e enteada entraram triunfalmente no Tejo para serem apoteoticamente recebidas numa Lisboa livre.
Com efeito, era necessário casar rapidamente a jovem rainha para se preparar a sua ascensão ao trono.
Augusto, irmão de Dª Amélia, companheiro nas viagens e na última estadia de dois anos no Brasil, era o candidato ideal e asseguraria grande influência da imperatriz sobre a sua régia enteada; foi então acordado o casamento entre os dois.
Os Beauharnais faziam na época parte da alta nobreza europeia, mas eram nada que se parecesse com a família imperial austríaca em termos de importância. D.ª Amélia era neta de Josefina Beauharnais, filha de um visconde que se casou já em segundas núpcias com Napoleão Bonaparte e recebeu o título de Imperatriz dos franceses.
Josefina já tinha um filho do seu primeiro casamento, Eugénio, que sempre se deu bem com o ilustre padrasto e se notabilizou como oficial do império, tendo sido um dos melhores marechais de Napoleão.
Após a queda napoleônica, Eugênio de Beauharnais recebeu o ducado de Leuchtenberg sob o domínio da Baviera e foi pai de D.ª Amélia e D. Augusto.
Pedro faleceu no dia 24 de Setembro de 1834, quando as Cortes já tinham aceitado o seu pedido de cessação da regência por motivos de saúde desde 18 de Setembro; optaram por declarar a rainha maior, tendo D.ª Maria II prestado juramento perante a Câmara dos Pares a 20 de Setembro. Tinha quinze anos de idade.
Celebrado o casamento por procuração a 1º de Dezembro de 1834, D. Augusto chegou ao Tejo a 25 de Janeiro de 1835 para, no meio de grandes festividades, celebrarem a ratificação do consócio no dia seguinte na Sé de Lisboa. Não teve o irmão de D.ª Amélia tempo para se envolver na enorme agitação política de Portugal na época.
Embora tendo causado uma boa impressão inicial, era muito próximo do partido chamado “Os Amigos de D. Pedro” que defendia a “Carta Constitucional” à qual se opunham os saudosos da Constituição de 1820 e que dava muito menos poderes ao rei.
Faleceu inesperadamente dois meses depois de sua chegada com uma difteria, exatamente quando se discutia nas Cortes a atribuição do título de comandante-em-chefe do exército, que já levantava a polêmica que se repetiria com o posterior marido de D.ª Maria, o rei D. Fernando.
Aos dezesseis anos de idade, D.ª Maria II, rainha de Portugal com forte pronuncia brasileira, encontrava-se viúva, e pela segunda vez se contarmos o acordo matrimonial que celebrou na infância com seu tio D. Miguel, na fracassada tentativa para se evitar uma guerra civil.
Novamente havia toda uma urgência de lhe encontrar marido e assegurar descendência, até por essa ser uma exigência dos credores da Praça de Londres liderados pelo financeiro Mendizabal.
A escolha desta vez caiu sobre Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha, sobrinho do poderoso e casamenteiro Leopoldo da Bélgica, igualmente tio de Vitória, a nova rainha dos ingleses, e tio de Alberto, que em breve casaria com a sua prima Vitória.
Maria II, com este seu derradeiro casamento entraria assim decididamente na orbita inglesa e sairia da influencia da sua madrasta da qual aqui tratamos, a outrora imperatriz do Brasil.
Perdida a influencia na corte, D.ª Amélia passou a investir na educação da sua única filha, Maria Amélia Augusta, que herdou sua inteligência e beleza. Em Lisboa residiam no chamado Palácio das Janelas Verdes, que havia pertencido ao poderoso Marquês de Pombal e onde hoje está instalado o Museu Nacional de Arte Antiga.
Mãe e filha viajaram pela Europa, visitando a Itália, o Império Austro-húngaro e a Suécia, onde reinava a sua irmã. Infelizmente, a jovem, como tantas pessoas na época, contraiu tuberculose. Em Agosto de 1852 a imperatriz partiu para a Madeira, onde não havia tuberculose, o que na época era atribuído aos “bons ares” da ilha.
D.ª Maria pôs à disposição da madrasta uma pequena esquadra com o que de melhor havia na marinha portuguesa, a fragata D. Fernando, o vapor D. Luís e a corveta D. João I. Na verdade a ausência de tuberculose na Madeira nada tinha a ver com “bons ares”, mas simplesmente com a ausência (até aí) do bacilo na ilha.
Mãe e filha aí residiram durante três anos e meio até ao falecimento da princesa em Fevereiro de 1856, contando 24 anos de idade.
De volta a Lisboa D.ª Amélia começou a ser conhecida como uma pessoa retraída e autoritária, cercada apenas por um pequeno núcleo de indefectíveis.
Durante as epidemias de cólera e febre amarela que se sentiram em Lisboa em 1856 e 57, já no reinado do novo rei D. Pedro V, a imperatriz protegeu os doentes e órfãos através das Irmãs de Caridade francesas, cuja entrada no país tinha sido excepcionalmente autorizada para combaterem as epidemias.
As ordens religiosas, entretanto, estavam proibidas em Portugal desde a revolução liberal e, passada a crise, as irmãs foram coagidas pelo governo a saírem do país; tal medida provocou grande indignação em D.ª Amélia, que em 1862 renunciou ao cargo de Protetora da Sociedade dos Asilos dos Órfãos das Vitimas, o que lhe granjeou algumas antipatias.
A Imperatriz D.ª Amélia teve na verdade uma vida trágica, marcada por grandes desgostos. Faleceu em Lisboa a 26 de Janeiro de 1873. No seu testamento deixou a maior parte da sua grande fortuna à sua irmã, rainha da Suécia, e aos seus sobrinhos, filhos do duque Maximiliano.
Aos filhos e netos do primeiro matrimónio de D. Pedro IV de Portugal, primeiro Imperador do Brasil, deixou apenas pequenas quantias. Também não foi generosa com estabelecimentos de beneficência portugueses.
No dizer do historiador português do século XIX, Fonseca Benevides: “as últimas disposições de Amélia de Beauharnais não lhe aumentaram as poucas simpatias de que gozava”.
Atualmente está sepultada na cripta imperial, localizada no Monumento ao Centenário da Independência, em São Paulo-SP.
Revisado por Renato Drummond Tapioca Neto
Notas:
¹ Quando D. Pedro I abdicou ao trono brasileiro, ele e sua esposa assumiram o título de duque e duquesa de Bragança
BIBLIOGRAFIA
Boléo, Luisa V. de Paiva Dª Maria II a Raina Insubmissa , editora A Esfera dos Livros, Lisboa.
Benevides, Francisco da Fonseca, Rainhas de Portugal, editora Marcador, Lisboa
Bonifácio, Maria de Fátima, Dª Maria II, edição Circulo dos Leitores, Lisboa.Memórias do Marquês de Fronteira e Alorna, Lisboa 1982