DOSSIÊ: ESCRITAS DA HISTÓRIA E MEMÓRIA ANCHlETA NOBRASlL: QUE MEMÓRIA?
2003
04/04/2024 23:55:52
brasilidade. Dividindo com Noel NUle\s as fabulações do moribundo, ojesuíta é o lado brasileiro do menino judeu.Éjustamente a brasilidadc incutida pelos livros escolares queAntônio Torres irá rever cm 2000, ao lançar Meu Querido Canibal.Tentando resgatar a imagem de Cunhambebe, normalmente delineadacom contornos negativos, embora de bravura, ele irá mostrar Anchieta,à semelhança do que fcz Pinheiro Chagas,l) eomo figura ambígua:"jesuíta a serviço d´el rei, com uma cruz na mão e uma espada na outra","cstranho padre" que "defendeu a guerra justa contra os hereges (osíndios rebeldes à catequização)", que "quando se via impotente na suamissão evangelizadora, proclamava aos ouvidos de seussuperiores civis,militares e edesiásticos que a melhor catequese eram a espada e a varade ferro" (ToRRES, 2000. p. 23 e 24).A hipótese de que tenha lutado juntameme com Mem de Sãcontra franceses e tamoios no Rio de Janeiro passa à tese: "Quemconvenceu Memde Sá a liquidaras tamoios de uma vez por todas foi ojesuíta José de Anchieta, o que tinha por missão a evangelização epacificação dos índios [...]. E na hora do acerto de contas, largou orosário e o missal para assumir um lugar de soldado atrás das barricadas"(TORRES, 2000, p. 58). Oepisódio de João de Bolés, que aparece na Vidacomposta a mando da Companhia, para ressaltar um aspecto positivo doapostolado de Anchicta, é utilizado para mostrá-lo como assassino, umavez que, na versão do romance, é suprimida a explicação para o fato detcr o padre assumido o lugar do carrasco. Se a propalada castidade émantida (TORRES, 2000, p. 77), as palavras do poeta do De Geslis ganhamforos de "excelsa louvação aos militares" (TORRES, 2000, p. 64), e opadre chega a "trair um segredo de confessionário, ao revelar um planode ataque dos tamoios a Piratininga, que lhe fora revelado cm confissâopor Tibiriçã" (TORRES, 2000, p. 66). Enquanto foi refém, sua facilidadede comunicação e seu magistério tomaram-no popular: ele ensinou aosíndios técnicas agrícolas, pecuária, alimentação, medicina; fez-lhessangrias e curou-os de doenças. Mas, apesar de parecer gostar deles ede eles o terem poupado, Anchieta, nas palavras de Cunhambcbe."branqueio, corcunda, feio feito a peste", rc\´cJa-sc, como o índio previra,"um mentiroso igual aos outros" (TORRES, 2000, p. 88).De forma muito sutil, Francisco Ivan, cuja poesia relê muitasvezes o IlÚstieo, argúi, no seu A Chave AZI/I, a originalidade dos versos [Página 25 do pdf]
*DOSSIÊ: ESCRITAS DA HISTÓRIA E MEMÓRIA ANCHlETA NOBRASlL: QUE MEMÓRIA?
“Os nossos tupinambás muito se admiram dos franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de ir buscar o seu arabutan [pau-brasil]. Uma vez um velho perguntou-me: Por que vindes vós outros, maírs e perôs (franceses e portugueses) buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra ? Respondi que tínhamos muita mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele o supunha, mas dela extraíamos tinta para tingir, tal qual o faziam eles com os seus cordões de algodão e suas plumas.
Retrucou o velho imediatamente: e porventura precisais de muito? Sim, respondi-lhe, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, facas, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados. — Ah! retrucou o selvagem, tu me contas maravilhas, acrescentando depois de bem compreender o que eu lhe dissera: mas esse homem tão rico de que me falas não morre? — Sim, disse eu, morre como os outros. Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo: e quando morrem para quem fica o que deixam? — Para seus filhos se os têm, respondi; na falta destes para os irmãos ou parentes mais próximos. — Na verdade, continuou o velho, que, como vereis, não era nenhum tolo, agora vejo que vós outros maírs sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também ? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois da nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados.
“
Essa parte inferior que era "coisa", porque escrava, ou que era tratada como bicho, como nós tratamos gente camponesa, a gente que está por baixo, a gente miserável, essa gente que estava por baixo, foi despossuída da capacidade de ver, de entender o mundo. Porque se criou uma cultura erudita dos sábios, e se passou a chamar cultura vulgar a cultura que há nessa massa de gente.