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Coisas do Caminho. Crédito, confiança e informação na economia do comércio de gato entre Viamão e Sorocaba (1780-1810), 2018. Tiago Luís Gil, UnB
201804/04/2024 23:39:10

Este trabalho pretende explorar o universo do mercado de crédito em uma sociedade de Antigo Regime, tendo como caso a economia dos negociantes de gado que conectavam a região do Viamão à de Sorocaba entre finais do século XVIII e início doXIX.

As economias de Antigo Regime são bastante diferentes da nossa. Para que o leitor possa ter uma ideia, vou começar contando duas histórias. Elas são bem diferentes entre si, mas ajudam na apresentação do problema do crédito.

A primeira das histórias é um problema familiar: em julho de 1797, um sujeito chamado Antonio Francisco de Aguiar escrevia uma carta para outro, chamado Antonio Manuel Fernandes da Silva. Falava de um terceiro, José Joaquim de Oliveira Cardoso, a respeito de quem pairava uma dúvida: se iria formalizar as dívidas que tinha em juízo, ou seja, se iria assumi-las como válidas. Aguiar contava com isso, e acrescentava:

“me tenho esforçado [...] a que o Doutor José Joaquim formalize as suas contas judiciosas e verdadeiras, por crédito seu, e boa reputação as cinzas de seu pai”.1

José Joaquim era filho do capitão-mor de São Paulo, Manuel de Oliveira Cardoso. Antonio Francisco de Aguiar era tenente-coronel e membro de uma importante família em Sorocaba. Antonio Manuel Fernandes da Silva era procurador e representante de Tomé Joaquim da Costa Corte Real, conselheiro ultramarino.

A segunda história se passa mais ao sul e trata de questões militares: em janeirode 1775, em meio aos conflitos entre os exércitos portugueses e espanhóis no sulda América, o brigadeiro José Custódio de Sá e Faria, na Praça de Nossa Senhorados Prazeres do Rio Iguatemi, escrevia ao secretário de estado e ultramar, Martinhode Melo e Castro, o qual se encontrava em Lisboa:

As cinco Companhias de Aventureiros são compostas de negros,mulatos, índios e criminosos, que continuamente estão a desertarpara os castelhanos, gente esta de mui pouca confiança para qualqueração nus, e descalços, sem brio nem honra, e receio que se houveralguma ocasião desamparem os oficiais, pois só desejam e procuramver-se fora deste distrito e da sujeição em que estão violentos. Deixoa consideração de Vossa Excelência os progressos que poderá obrarum comandante com gente de tão baixo espírito. Quase todos estesaventureiros tem vindo em ferros por homicídios, furtos e outrosdelitos, e por não pagarem dívidas de que são dispensados, que porseu gosto, nem um único depois que souberam o que isso era.2Este trabalho é sobre estes homens e seus negócios e procura entender comofuncionava o acesso ao crédito, o crédito financeiro, mas também o crédito comosinônimo de confiança. E aqui entram todos: mulatos, índios, criminosos, capitães,brigadeiros, conselheiros ultramarinos e secretários de estado e ultramar. Algunselementos presentes nestas breves citações também povoarão este trabalho, inclusiveo parentesco e seu significado nas trocas, como o de José Joaquim e seu falecidopai, que era tão expressivo que não passou despercebido por um terceiro que nemmesmo era o credor. Ao comentar sobre um terceiro, neste caso particular, Aguiare Fernandes da Silva não apenas estavam reforçando regras sociais que conheciam,mas também contribuindo para sua aplicação, para o controle social daquele terceiroe deles próprios. E faziam isso de forma muito simples: por meio da conversa.A forma como as informações circulavam entre os agentes e seu impacto nosnegócios e nas decisões também serão aqui abordados.Nesse contexto, não podemos esquecer a reputação e a confiança, elementosque marcam as duas passagens transcritas. Tanto Aguiar esperava o melhor de JoséJoaquim como Sá e Faria esperava o pior daquelas pessoas de “baixo espírito”. E oproblema, penso, estava longe da prática da deserção, dizia respeito, sim, à hierarquia social e sua naturalização. Até porque, cerca de dez anos depois, o próprioSá e Faria perguntava ao vice-rei de Buenos Aires se devia trocar de farda ou se [Páginas 15 e 16]

e que reformou a casa onde trabalhava mais de uma vez, especialmente devido às goteiras que surgiam com as tempestades de inverno.

Já que falamos nele, convém logo apresentar: Antonio Manuel Fernandes da Silva é também um personagem importante. Ele não vai nos acompanhar em nossa jornada, ficará em São Paulo, onde atuava como tesoureiro da Casa Doada.

Este era o nome que se dava à administração da metade dos impostos cobrados no Registro de Curitiba. O Registro era um posto de arrecadação fiscal localizado em Curitiba (havia outros em outras localidades), e metade dos impostos cabiam à Casa de Tomé Joaquim da Costa Corte Real, que havia recebido esta “doação” de SuaMajestade.

Por isso, o nome Casa Doada. É estranho, mas é preciso que o leitor se prepare para coisas mais estranhas ainda. Era um mundo muito diferente do nosso. Mas, cuidado, é muito fácil perder-se em desvios que nos parecem conhecidos ouiguais aos caminhos que hoje trilhamos.

Outro sujeito com quem toparemos muitas vezes é o coronel José Vaz de Carvalho. Ele não nos dará muita atenção. Andava constantemente muito ocupado com seus negócios, seus amigos e aparentados, percorrendo sempre distâncias muito largas.

Da mesma forma, o coronel Manuel Gonçalves Guimarães também será avistado, mas sempre envolto em seu comércio de animais. Mas teremos a oportunidade de vê-lo passar de guarda-mor à coronel, ter seus filhos e casá-los.Assim como esses dois oficiais de Sua Majestade, também nos encontraremos com Paulino Aires de Aguirre. Foi negociante e inspetor do Registro de Sorocaba.

Ele aparecerá fazendo coisas muito variadas ao longo de toda a viagem.Destaquei esses sujeitos, pois são aqueles de que a documentação mais trata ecujos nomes aparecerão inúmeras vezes ao longo do texto. Convém lembrar seusnomes, pois coronéis costumavam ser muito ciosos de sua imagem. Por fim, é importante reparar que não temos, entre os personagens principais, mulheres, escravos ouforros. A documentação nos fala deles, mas pouco e com um lugar muito delimitado.Não devemos esquecê-los ao longo de nossa viagem, agora que os sabemos discretos. [Página 23]

Nesse contexto, também já operavam os Registros de Sorocaba e Viamão. Viamão já possuía uma “Guarda” que recolhia tributos desde antes de 1740. O Registro de Sorocaba foi instituído em 1750, já com uma importância capital. Era naquela cidade que se desenvolvia o maior comércio de animais da rota, com a redistribuição das bestas para diversas localidades.

Esse período também ficou marcado pela existência de grandes tropas. Um exemplo disso eram as tropas pertencentes a Francisco de Vila Lobos. Ele recebeu autorização de Madrid para montar uma tropa em territórios espanhóis, com destino às Minas do Brasil, de 3.824 mulas, ainda que tenha tentado comprar mais de 8 mil, sendo descoberto antes disso. Para 1751, ainda encontramos referência a uma tropa que teria “cinco mil bestas” e auma outra, de igual grandeza, para o ano seguinte (GIL, 2007).A quantidade de animais se estabilizaria entre o início da década de 1750 e o finalda de 1760. Segundo Hameister (2002), os anos de 1769, 1770 e 1771 registrariam,respectivamente, 9.710, 9.651 e 10.915 cabeças, entre mulas, bois, vacas e cavalos,com notória predominância numérica dos últimos. Esses dados, contudo, encontram divergência no trabalho de Marcondes e Suprinyak (2003), que identificaramo ingresso de 5.998 animais em 1766, com uma vantagem significativa para o gadovacum. Conhecendo os resultados de Hameister (2002), os autores não apontam umarazão para a significativa diferença nas cifras, que pode ter relação com as guerrasplatinas, mais exatamente com a tomada de Sacramento (1762) e Rio Grande (1763)por parte dos espanhóis. Tais eventos poderiam ter desestabilizado a exportação decavalos e mulas, já que os vacuns, que mantiveram uma passagem estável, provinham,em boa parte, de Vacaria e Lages, zonas ao norte do Viamão.Os números de 1769 em diante poderiam estar refletindo uma forte retomadados negócios, logo após a momentânea estabilização das conquistas espanholas.Contudo, Marcondes e Suprinyak (2003) apontam para o período entre 1779 e1782, um panorama no qual predominam os vacuns, sendo seguidos, de perto, pelosmuares e, de longe, pelos cavalos. Para o ano financeiro de 1779/1780, contaram2.365 cavalos, 6.330 muares e 5.720 vacuns, somando 14.415 animais; 1780/1781 [Página 26]

registraria 14.945 peças, e 1781/1782, outras 15.778, sempre com predomíniode vacuns, que representavam 54% dos animais nesta última leva. Esses dados,no entanto, foram produzidos tendo em conta fontes do Registro de Sorocaba eincorporam as produções do interior paulista, de Curitiba e dos Campos Gerais,que não passavam necessariamente pelo Registro curitibano. Do total de vacuns,46% provinham do entorno de Curitiba e dos Campos Gerais.Para além da polêmica bois versus cavalos, esses dados contribuem paraapresentar alguns elementos importantes deste cenário: uma diversidade de locaisenvolvidos na atividade tropeira, contribuindo com diferentes tipos de criações comdiferentes períodos de produção. Uma extensão de mais de mil quilômetros que eraintegrada por um grupo significativo de negociantes, fiadores, peões e condutores.Localidades como Viamão, Curitiba, Lapa e Sorocaba mantinham um ritmo socialmuito marcado por esse comércio.Com o auxílio de uma documentação especial, ainda pouco explorada, procurarei apresentar alguns traços daquela rota mercantil.

Trata-se da correspondência e documentação contábil da chamada Casa Doada, instituição encarregada de recolher a metade dos tributos pertencente à Casa do conselheiro ultramarino Tomé Joaquim da Costa Corte Real, que recebeu esta mercê logo após a morte de Cristóvão Pereira de Abreu, autorizada pela Provisão Régia de 9 de maio de 1760.

No início, era feita a cobrança de metade do valor arrecadado pelos contratadores ou pela RealFazenda (nos anos em que não havia rematação). Em algum momento, que não pude apurar exatamente (antes da década de 1770), foram criados escritórios de representação da Casa Doada em Curitiba, Sorocaba e São Paulo.

Ao considerar a média anual (próxima de cinquenta tropas), é possível sugerir os anos entre 1768 e 1770 para o estabelecimento dos escritórios da Casa Doada junto aos Registros, com o início da cobrança direta por aquela instituição. Esses estabelecimentos se encarregaram de cobrar a metade que lhes cabia, com seu próprio controle e meios. Parte dos documentos gerados por esses escritórios foi parar na Biblioteca Nacional. [Coisas do Caminho. Crédito, confiança e informação na economia do comércio de gato entre Viamão e Sorocaba (1780-1810), 2018. Tiago Luís Gil, UnB. Página 27]

A documentação da Casa Doada é muito heterogênea e cronologicamente muito localizada. A maior parte do material é formada por cartas recebidas pelo inspetor-chefe, Antonio Manuel Fernandes da Silva, que trabalhava em São Paulo, e é posterior a 1796, tendo 1812 como data limite.

Tais documentos, todavia, fazem referência a fatos ocorridos nos anos anteriores, já que boa parte trata da cobrança de dívidas antigas. Nesse caso, poderíamos estender, retrospectivamente, aqueles limites para 1788, mas com maiores cuidados. Cada tropa que passou pelo Registro de Curitiba recebeu um número, chamado de “guia”, com o qual era identificada até o pagamento total.

Tal fato permitiu traçar algumas estimativas, bastante precárias, mas que podem contribuir para esboçar algo em um período deixado em branco pela historiografia. Desconheço trabalhos que apresentem dados para as últimas duas décadas do século XVIII e a primeira do XIX.

Aluisio de Almeida aponta a marca de 10 mil muares anuais entre 1780 e 1800, mas sem indicar fonte alguma. Considerando-se que temos informação sobre a data de passagem de algumas tropas pelo Registro de Curitiba, é possível inferir as datas de outras, estimando, por alto, uma série do movimento de passagem de tropas pelo Registro de Curitiba. Calculei que, entre 1788 e 1809, passaram cerca de 1.015 tropaspor Curitiba. Ao mesmo tempo em que inferi o movimento pelos números deguia, procurei, por meio do cruzamento de diversos documentos da Casa Doada,identificar, ao máximo possível, cada uma das tropas que passou por Curitiba.Tive algum sucesso com 615 (60%). Da maioria delas, obtive o nome do tropeiroou condutor, o valor dos meios direitos e o ano em que passou. De uma pequenaparte, 41 tropas, pude saber até a quantidade e qualidade de animais que levavam,assim como os dias exatos de sua passagem e o nome dos fiadores. Os dadosse tornaram mais confiáveis de 1796 em diante, quando foi iniciada uma novacontagem com a chegada do novo inspetor: Manuel José Correia da Cunha. Paraesse período, contei 742 tropas, das quais pude identificar 532 (72%). [Página 28]

1.1 A origem do caminho e seu movimento

Em 1732, Cristóvão Pereira de Abreu chegava a Curitiba, vindo do Viamão, por onde se metera para abrir o caminho em 1731. Ele chegou com uma volumosa tropa, sendo, além de “fundador”, o primeiro negociante de gados a cruzar aquele percurso. Foi apenas o começo de uma rota que testemunharia, ao longo dos anos seguintes, uma enorme movimentação de animais.

O caminho estava sendo aberto desde 1727, por Francisco de Souza e Faria, sob ordem do governador de São Paulo, Antonio da Silva Caldeira Pimentel. O mesmo governador teria criado, em fevereiro de 1732, o Registro de Curitiba, instituição que controlaria a cobrança dos impostos de circulação de animais naquele novo caminho.

Logo nos seus primeiros anos, o caminho já foi amplamente utilizado. Umdocumento de finais do século XVIII1 estima que, entre janeiro de 1734 e setembrode 1747, o rendimento foi de 42:326$580. Considerando-se que o tributo pago nessaépoca, tanto para cavalos como para mulas, era de 1$000, concluímos que passouo equivalente a mais de 42 mil animais, ao longo de 13 anos e alguns meses, numamédia aproximada de 3.200 por ano. Entre outubro de 1747 e setembro de 1759,quando o rendimento foi dividido em dois, metade para a Real Fazenda, metadepara Cristóvão Pereira de Abreu como mercê por seus feitos, o rendimento dametade da Real Fazenda foi de 84:396$810. Para esse período, há uma listagem detropas, individualmente listadas e descritas, relativa ao ano de 1751, que registroua passagem de 9.502 cabeças de gado. [Página 25]

1.2 Caracterização dos tropeirosOs tropeiros de gado da rota Viamão–Sorocaba não se constituíam como umgrupo social preciso. Não possuíam identidade étnica, política ou de classe, aindaque sua performance social fosse orientada tendo em conta a imagem pública dessesnegociantes de animais. Em novembro de 1796, uma carta de Antonio Franciscode Aguiar, inspetor do Registro de Sorocaba, ao seu tesoureiro, Antonio ManuelFernandes da Silva, foi escrita considerando esta imagem. Falando de um tal JoséLopes, dizia Aguiar que era “morador de Araçariguama”, “tropeiro velho, e de todoo conceito e verdade”. Em outra carta, escrita por Manuel José Correia da Cunha,inspetor em Curitiba, havia uma impressão semelhante. Ao comentar a dificuldade que tinha no envio de cartas para São Paulo, garantia que “os portadores maisprontos e seguros são os tropeiros que gastam mais de mês até Sorocaba”.2Nem todos os que trabalhavam no negócio de animais eram chamados de tropeiros. Muitos diziam viver do salário de conduzir tropas, ou de comprar e venderanimais, tal como se vê em algumas listas nominativas de São Paulo, no final doséculo XVIII e início do XIX. Uma dessas listas, elaborada na Lapa, em 1807, apontamais de 90 domicílios que dependiam da atividade de condução de tropas, geralmentetocada pelos chefes de família, a maior parte deles assalariados, contratados por algumnegociante de maior porte. Viviam ainda de uma pequena lavoura de subsistênciae dificilmente apareceriam em alguma listagem de devedores dos registros de arrecadação: eles provavelmente atuavam como peões e capatazes em tropas de outros.Mesmo um negociante de gado de maior vulto não era considerado, necessariamente, um tropeiro, tal como se vê na imagem criada por Antonio Francisco de Aguiar.Apesar de ser listado entre os tropeiros, João José Coelho, que passou por Curitiba em1799, foi sempre referido como capitão. Da mesma forma, José de Andrade, apesarde ter conduzido (ou feito conduzir) mais de nove tropas, sempre foi referido comocapitão, não sendo identificado como tropeiro em nenhum dos outros tantos negóciosde que participou. Não parece haver, nesse sentido, uma clara associação entre a atividade de condução de gado e a imagem particular de cada um dos tropeiros, aindaque houvesse certo prestígio ou respeito público por esta empresa.3Montar uma tropa de animais, ir ao Viamão para comprá-los e, depois, revendê-los em Curitiba ou Sorocaba, ou ainda em outras regiões, não parece ter sidouma prerrogativa de grandes negociantes, pelo contrário. A grande maioria (74%)fez apenas uma viagem, movimentando 50% do total dos valores que circularamnaquela rota mercantil.4 Aqueles que realizaram duas viagens equivaliam a 16% [Páginas 31 e 32]

mesma época. Todavia, em 1798, contava com 954, apresentando um crescimentobem inferior ao da povoação vizinha. Taquari se caracterizava por uma produção predominante agrícola, desenvolvida em pequenas propriedades, as chamadas “datas deterra”. Essa freguesia foi ocupada, no início da década de 1770, por casais das ilhas.Os 97 proprietários mencionados na relação de moradores, feita em 1784,em Taquari, somados, possuíam pouco mais de 5 mil animais, número inferior aorebanho de José Francisco da Silveira Casado, de Triunfo, que possuía mais de 9 milcabeças, ou ao de Antonio Ferreira Leitão, que mantinha um estoque de mais de 6mil peças. Em ambos os casos, as grandes manadas eram bovinas. Em relação aosequinos e asininos, animais de maior valor, destacava-se Vitorino José Centeno, commais de 1.500 cabeças, que fazia parte de um grupo de cerca de oitenta criadoresque possuíam mais de dez cavalos em estoque, de um universo de 140 proprietáriosem Triunfo. O rebanho total de Triunfo era certamente o maior em comparação comRio Pardo, Rio Grande e Viamão. Ao todo, contava com mais de 100 mil cabeças,das quais mais da metade era composta de bovinos, seguidos por um expressivonúmero de equinos. Em comparação com outras regiões, o rebanho asinino e muarera igualmente impressionante.2Entre esses, destacava-se João Francisco de Almeida, que possuía, em 1784, umrebanho superior a 3 mil cabeças, entre as quais cavalos e burros tinham especialdestaque (em comparação com outros produtores). Em janeiro de 1779, ele vendeuuma porção de animais para Luis Antonio de Albuquerque para a montagem de umatropa. Eram 19$200 em animais, sem especificação, além de outros cem potros, novalor de 200$000. Percebemos, assim, o quanto o estoque era importante na decisãode comprar de um ou de outro negociante. Quanto a Albuquerque, sabemos que era deCuritiba, mas não o encontramos em outras atividades relativas ao trato dos animais.3Triunfo não era caracterizada apenas por seu amplo rebanho. Era ali tambémque viviam alguns dos mais prestigiosos homens da Capitania do Rio Grande de [Página 48]

Chegados em Sorocaba, os tropeiros deveriam tentar vender rapidamenteseus animais, já que sua manutenção diária implicava gastos que comprometiamo negócio. O tempo da venda não era medido em horas, mas em dias. Era preciso encontrar um campo de pasto onde os animais pudessem permanecer até avenda. Em diversas épocas, como vimos, os negócios não foram bons, tanto pelaoferta abundante quanto pela falta de sal e de pastos. Em 1807, o guarda-morde Araçariguama, Rodrigo Pedroso de Barros, teve prejuízos com suas bestas ecavalos “magros pela falta de pastos”.61 Os negócios se organizavam nos campospróximos ao núcleo mais arruado, preferencialmente onde havia pastos. A “feira”ia ocorrendo assim, ao longo de toda a Vila de Sorocaba.

A população de Sorocaba, em 1780, era de 6.815 habitantes, chegando a 9.576 em 1810, num crescimento constante, com pequenas oscilações, e com uma população escrava que variou entre 16,2% e 25,8% ao longo de todo esse período, tendendo a acompanhar o crescimento total da população (BACELLAR, 2001).

Por meio da lista nominativa de 1790, podemos verificar a distribuição espacial dos habitantes. Nesse censo, verificamos 6.864 habitantes, dos quais 1.208 (17,6%) eram escravos e 5.257 (76,6%) eram livres, além de um contingente de 399 (5,8%) agregados.

Os bairros mais populosos eram os do Iperó, do Pirajibu e a parte central, mais urbana e mais próxima da matriz. Esses fragmentos eram habitados por 60% da população total, bem distribuída entre livres, escravos e agregados.

Na matriz, ficava o maior número de escravos, quatrocentos, que representava um terço do total de cativos. Ali também estavam os maiores senhores: dos trinta maiores plantéis de toda a vila (que detinham a metade do total de cativos), 11 estavam na matriz.

Os demais grandes senhores (os trinta que possuíam mais de nove cativos) estavam distribuídos entre os demais bairros ou zonas: havia seis no Pirajibu, três no “Rio Acima”, três em Bacaetava, dois no Iperó, dois no Campo Largo, um no Itapevu, um no Capotera e um em Bossoroca. Em Campo Largo, no Iperó, em Pirajibu e na matriz, os grandes senhores correspondiam àqueles homens com maior patente socio-militar, geralmente aqueles que encabeçavam as listas nominativas.

Tal é o caso, na matriz, de Cláudio de Madureira Calheiros, dono do maior plantel e capitão-mor; no Bairro do Parajibu, do capitão Manuel Álvares de Castro; e, no Iperó, do capitão João Pires de Almeida Taques.

Esses dados me remetem à ideia de que as elites de Sorocaba estavam geograficamente distribuídas no espaço da vila, de modo que cada bairro tinha uma liderança própria e sua hierarquia local, mesmo que inferior em comparação aos capitães da matriz. Mesmo a localidade de Itapetininga, próxima de Sorocaba, tinha como capitão-mor Salvador de Oliveira Leme, membro de um importante clã sorocabano, com propriedades na vila. [Aesp. Lista nominativa de Sorocaba, 1790]

Até a matriz tinha uma elite heterogênea. Em 1780, o capitão-mor era José de Almeida Leme, que falecera em dezembro daquele ano. Sua sucessão foi um pouco lenta. Em 30 de janeiro de 1782, após um ano de indefinição, a Câmara voltou à carga, exigindo a presença do corregedor da Comarca para presidir a nomeação de três homens, dentre os quais sairia o novo comandante. Justificavam, os vereadores, urgência, pois:

[...] esta vila é a mais importante desta capitania; pois por ela passam as tropas que vêm [do Rio Grande] de São Pedro do Sul, os ouros que pagam os quintos a Vossa Majestade, vindos das minas de Apiaí e Paranapanema e as boiadas e potradas dos sertões de Curitiba [...] e por causa deste comércio há muitos ajuntamentos de homens da maior parte desta capitania, e fora dela, e por isso esta, mais que nenhuma outra, precisava de capitão-mor [...]64

Mas não era tudo. Aqueles mesmos vereadores temiam algo pior do que ajuntamentos e possíveis desordens de forasteiros. A preocupação tinha endereço certo:

Se acha esta vila em contínua desordem por miscelâneas e orgulhos do Tenente Coronel Auxiliar da Cavalaria Ligeira Paulino Aires de Aguirre, e seu sogro Salvador de Oliveira Leme, pretendente e interessante ao dito posto, sendo este um sujeito totalmente insuficiente para o exercer tanto pela sua qualidade por ser de baixa esfera e ter exercido nesta vila por si, e seus antepassados, anos bastantes, ofício de taberneiro público, como pela sua capacidade por ser de gênio orgulhoso e intrigante, e ter saído por vezes criminoso de vários crimes [...].

Assinavam o documento o juiz João de Almeida Pedroso, os vereadores José Pires de Arruda, Felix Mendes da Silva, Joaquim José de Almeida e o escrivão da Câmara, Gonçalo Leite de Sampaio. Paulino não se tornou capitão-mor de Sorocaba.

Salvador era capitão-mor de Itapetininga, vila vizinha, desde 1776. É certo que a Câmara de Sorocaba era mais prestigiosa, e certamente os vereadores tinham razão em argumentar pela importância daquela localidade. Na disputa entre grupos, venceu a parcialidade de Cláudio de Madureira Calheiros, que assumiu o posto em 1783.

Não tenho como verificar as ligações entre os membros da Câmara e Calheiros, mas sei que este último, além de ser um dos mais ricos da comunidade, tinha parentesco com boas famílias da vizinha Itu (de onde muitos sorocabanos provinham), especialmente com o capitão-mor, Vicente da Costa Taques Goes e Aranha (BACELLAR, 2001), o que devia vinculá-lo à nobreza local, de algum modo.

Além de possuírem terras em conjunto em Itapetininga (rota da passagem das tropas), em 1788, os dois capitães-mores, em conjunto, fizeram uma proposta para criar uma fábrica de ferro e aço a partir do minério extraído de um morro em Araçoiaba.65

Um documento de 1797 talvez nos ajude a compreender as razões que separavam Calheiros de Oliveira Leme, para além das diferenças de qualidade que poderiam se borrar no fato de o primeiro também negociar fazenda seca (BACELLAR, 2001).

Ambos eram interessados nas arrematações dos registros de passagem de rios e tropas, Paulino, em sua sociedade com José Vaz de Carvalho; Calheiros, juntamente com Francisco Marim Machado.

Ambos os grupos arremataram diversos contratos entre 1780 e 1810.66 [Coisas do Caminho. Crédito, confiança e informação na economia do comércio de gato entre Viamão e Sorocaba (1780-1810), 2018. Tiago Luís Gil, UnB. Páginas 80 e 81]

que a grande maioria desses agentes não estava muito preocupada com o fatode seus interlocutores sociais serem nascidos na sua comunidade ou em outraou serem andantes. Eles necessitavam de relacionamentos e procuravam teceros melhores possíveis, tendo em conta as orientações valorativas que possuíam.Mas a proximidade geográfica (ou a distância), a densidade demográfica e asrelações preexistentes eram forças constrangedoras dessa iniciativa. É apenasnesse sentido que penso que a densidade local era alternativa fácil para os sujeitosque estudo, já que ela era produzida por todos aqueles elementos cotidianos davida. Ela era quase inevitável.Até aqui, detive-me a observar a reiteração de relações no espaço, tendo comoobjeto as localidades que se vinculavam à rota das tropas. A conclusão que salientoaqui é a fragmentação do caminho, de acordo com outros tantos interesses e possibilidades de cada comunidade que pude observar. Contudo, tomar apenas as relaçõespráticas, a partir de algumas fontes, de alguns tipos de relações apenas, não basta.É preciso ter em conta como os nativos percebiam o espaço em que atuavam. Talvezeles concordem com o modelo que apresentei, talvez não. Indaguemos.4.2 Da percepção geográfica coevaA percepção que as pessoas têm do espaço varia socialmente e é em muitodeterminada pela experiência do observador, por sua própria intervenção no espaço(LYNCH, 1997). Vejamos um pouco como os contemporâneos organizavam mentalmente o caminho e as localidades marginais, como construíam seus mapas mentais.Comecemos em Sorocaba, utilizando não qualquer visão, mas a de Antonio Franciscode Aguiar, inspetor do Registro de Sorocaba e diretamente interessado nos negóciosde tropas e nesse caminho.8 Curitiba tem destaque na sua escrita. Por razões óbvias,isto é, o controle das tropas, Aguiar deveria tratar muito daquela localidade, mas não era apenas isso. Ele sabia da ordem política local, quem era o capitão-mor, quem eramos demais comandos locais, além de saber, por sua necessidade, que tropeiros e tropasestavam em Curitiba à espera de tomar o rumo de Sorocaba, por invernadas ou faltade recursos. Segundo seu discurso, Curitiba é muito próxima, enquanto locais comoItu, São Roque ou Cotia não aparecem. De um modo geral, as localidades importantes do interior de São Paulo, tão relevantes para Sorocaba, como vimos em outrosdocumentos, aqui são esporadicamente referidas: Taubaté, Jundiaí e Araçariguamasurgem apenas como locais de onde veio algum tropeiro. A Lapa, nas vizinhançasde Curitiba e do Registro, era tão importante quanto Taubaté.A cidade de São Paulo aparece com maior destaque, já que era para lá que osrecursos obtidos por Aguiar eram enviados. A proximidade entre as duas urbes ficapatente não apenas no discurso de Aguiar, mas também na quantidade de viagensentre ambas por ele anunciadas. Da mesma forma, fica a impressão de um movimento importante entre Taubaté, São Paulo, Sorocaba e Curitiba, especialmentepela descrição que Aguiar fez do comportamento dos tropeiros.Apesar de se referir pouco às vilas do interior de São Paulo, havia precisãona sua narrativa. O mesmo já não ocorria em relação às áreas mais distantes. Paraalém de Curitiba, havia de nítido o seu Registro, o de Santa Vitória e o da Patrulha,unidades arrecadadoras que aparecem, no discurso de Aguiar, como os lugaresde onde provêm algumas listas de tropas. O local de onde vêm os animais é umnebuloso “continente do sul” ou apenas “sul”. Viamão, Rio Pardo, Triunfo ou PortoAlegre não aparecem nos escritos de Aguiar. O mesmo pode ser dito em relaçãoa Minas. Não há exatidão: alguns tropeiros vêm de Minas para ir ao sul buscaranimais. A pequena Lages sequer é mencionada.De Curitiba, da lavra de Manuel José Correia da Cunha,9 inspetor daqueleRegistro, temos um espaço organizado de modo um pouco diverso. Sorocaba ocupava o maior destaque, de forma espelhada, mas Correia da Cunha era um pouco [Páginas 139 e 140]

Em 1782, em Santo Antonio da Guarda Velha, um sujeito (provavelmente daLapa),5 Manuel Antonio Resende, dava instruções a Manuel da Silva Lira (provavelmente de Curitiba) sobre como este deveria proceder. Pedia que Lira tomasse unsanimais de sua tropa e os levasse para Sorocaba. Mas não falava apenas da tropa, pedia,entre diversas outras providências, que Lira falasse “na Ponte da Cotia com Gertrudesde Almeida Mota sobre o seu negro. [...]”. Manuel Antonio Resende dizia, ainda:Falará com o Antonio José da Silva e saberá dele o que tem passadoem Minas com Antonio Teixeira Pena e caso Antonio José da Silvatenha trazido créditos ou dinheiro de Minas vossa mercê mo remetapara cá ou os mesmos recibos que param em poder do mesmo AntonioJosé. [...] Saberá de Cláudio de Madureira o que passou a respeito deum crédito que devia o defunto Chapéu de Palha [...] Saberá de JoãoPinto se uma carta que lhe dei de abono para o surdo lhe assistir noRegistro teve efeito caso não tivesse veja se pode recolher a carta a si.6Esses são apenas alguns exemplos do périplo que Lira teria pela frente emsua jornada pela capitania paulista. Em pouco tempo, ele receberia e transmitiriadiversas informações sobre diversos negócios paralelos às tropas de animais e queenvolviam diversas regiões.5.2 Os caminhos da novidade: a correspondência da Casa Doada e ocontrole das informaçõesA principal fonte de que dispomos para esta pesquisa é a correspondência trocadaentre os administradores da Casa Doada. São mais de duzentas cartas, das quais priorizeio conjunto formado pela correspondência do tesoureiro Antonio Manuel Fernandes daSilva, do inspetor de Sorocaba, Antonio Francisco de Aguiar e do inspetor de Curitiba,Manuel José Correia da Cunha. Na verdade, não disponho da correspondência ativa deAntonio Manuel, mas acabei conhecendo muitos dos argumentos de suas cartas e a sua [Página 150]

A confiança: geração, valor emanutençãoEm outubro de 1788, o tropeiro Antonio Gonçalves Guimarães passava peloRegistro de Sorocaba sem pagar, alegando como fiador Francisco Luis de Oliveira.O tropeiro não pagou, e Oliveira acabou oferecendo o pagamento em algodão, oque não foi aceito. Somente em 1793 o fiador fez o depósito em dinheiro referentea Guimarães e uma tropa. O dinheiro foi entregue pelo padre Manuel Caetano deOliveira, filho de Francisco Luis, no montante de 445$946.1Alguns anos depois, provavelmente em 1792, uma outra tropa do mesmo fiador, passou por Sorocaba, e novamente o próprio Francisco Luis acabou ficandoresponsável pelo pagamento, agora no valor de 51$500. Em outubro de 1796, foinotificado o pagamento da dívida, depois de alguns anos de dúvidas sobre a realresponsabilidade de Francisco Luis. O fiador foi diversas vezes ao encontro de Antonio Francisco de Aguiar para discutir essa dívida e outras, relativas ao pagamentodos dízimos. Em uma dessas, “respondeu de honra e verdade” sobre as contas quemantinha junto a Aguiar e os demais responsáveis pela arrecadação da FazendaReal. Afirmava dever “quatro mil e tantos cruzados” pelos tributos de uma boiadae que mandara alguma “porção de dinheiro” para saldar os dízimos devidos.Pouco mais de seis meses depois, o filho de Francisco Luis, o cônego ManuelCaetano de Oliveira, era encarregado, pelo administrador Aguiar, de ser portador de629$730 réis de Sorocaba para São Paulo, dinheiro arrecadado na cobrança de tributos.Dois meses depois, ele levaria mais 215$860 para a mesma cidade e, em outubro de 1797, levaria documentos da contabilidade da Casa Doada de Curitiba para São Paulo,por pedido do inspetor Correia da Cunha, que ficava no Registro de Curitiba. ManuelCaetano ainda faria outras remessas nos anos seguintes: 3:500$000 em dezembrode 1798, 1:000$000 em fevereiro de 1800, outros 1:500$000 em abril daquele ano e4:500$000 em 1807. Paralelamente, a partir de 1798, ele aparece na correspondênciaativa de Antonio Francisco de Aguiar como o “compadre e amigo Cônego”.Francisco Luis mantinha boas contas, o que criou e manteve sua reputação.Assumiu as falhas de quem foi fiador e sempre se preocupou em saber de suasdívidas. Sua palavra “sincera” foi o suficiente para os cobradores da Casa Doada.Em diversos momentos, ele poderia ter assumido a postura daqueles de quem foifiador, mas sua opção foi outra. Essa postura o aproximou do pequeno grupo dosadministradores das rendas reais, mas não apenas de si, também de seu filho, oqual igualmente se beneficiou dessas relações. Aqui percebemos uma reputaçãopassada de pai para filho. Manuel Caetano, que também deve ter se beneficiadoda imagem austera provocada pela batina, acabou ingressando, juntamente comseu pai, nos negócios da Casa Doada. E Manuel Caetano soube como manter eaumentar a confiança depositada por Antonio Francisco de Aguiar.Esse parece ser um modelo relevante de construção de confiança, baseado noacúmulo de boas experiências mútuas ao longo do tempo, coroado, simultaneamente,por outras aproximações, de parentesco fictício, no caso. Mas certamente não era aúnica forma possível. Antes, contudo, convém verificar o peso disso que chamamos deconfiança naquela sociedade e como os próprios contemporâneos definiam este valor.6.1 Definições êmicas e seu significado socialBluteau (1728) nos apresenta alguns significados para a palavra “crédito”, a maioria relacionado diretamente à ideia de confiança, como “fé que se dá a alguma coisa”,ou “seguindo o parecer de alguém, ou dando fé ao que ele diz”, com frases de efeitocomo “por meio de coisas pequenas o engano se granjeia crédito ou a suspeita de que [Páginas 161 e 162]

pas, em muitos casos atuando como condutores. Também em Curitiba, os capitães,alferes e tenentes ocupavam-se com os mais diversos negócios, atuando predominantemente no comércio, nas lavras de ouro e na criação de animais. A grande maioriaocupava-se da lavoura, ainda que diversos outros, não oficiais, também estivesseminteressados no comércio, na criação de animais e na mineração.6Em Curitiba, Lourenço Ribeiro de Andrade, além de capitão-mor, fora tambémjuiz ordinário e era proprietário da Fazenda do Tucum, nas proximidades da Vila deCastro (LOPES, 2004). Antonio José Ferreira tinha negócios de comércio de animais,ao menos no final da década de 1770, e possuiu terras na paragem Santa Cruz, emCastro, a partir de 1796. Mas Curitiba tinha ainda outros dois importantes capitães,que figuravam entre os seus mais poderosos homens: Manuel Gonçalves Guimarãese José de Andrade. Guimarães sempre teve um bom número de escravos, e semprecrescente. Era negociante de animais e proprietário de terras em diversas partes nasproximidades de Curitiba, além de arrematador de contratos, especialmente o dosdízimos da Vila de Curitiba (LOPES, 2004). Andrade era negociante de animais eigualmente possuía diversas porções de terras na região entre Curitiba e Castro.7Em Castro, o capitão Francisco Carneiro Lobo e sua família possuíam váriaspropriedades, em especial duas grandes fazendas, Varge e Nhoaíva. O capitão haviaparticipado da fundação da localidade e também das campanhas de conquista do“sertão de Tibagi” durante a década de 1770 (LOPES, 2004, p. 191).8 Também nafundação da vila estavam o capitão Inácio Taques de Almeida e o tenente Jeremiasde Lemos Conde, o qual, nessa ocasião, foi eleito juiz de órfãos. Em relação a Castro, é notória, tal como em Lages, a divisão geográfica desses pequenos potentados,ainda que todos participassem da governança local. Lemos Conde tinha sua áreade atuação em Ponta Grossa, mais ao sul da vila, enquanto o alferes Luis Castanho atuava no Bairro do Lago, e os Carneiro Lobo, no centro da vila, mas com interessesem áreas mais ao norte, assim como no Bairro de Santo Antonio.9

Em Sorocaba, não era diferente, ainda que houvesse uma maior disputa entre as elites locais. O tenente-coronel Paulino Aires de Aguirre era um sujeito com muita força, alianças locais e negócios. Investia no contrato dos dízimos, no contrato das passagens das bestas, em tropas e em negócios de fazenda seca e molhada.

Em posição política oposta, estava o capitão-mor Cláudio de Madureira Calheiros que, igualmente, era negociante de animais e fazendas, além de ser aliado e parente do capitão-mor de Itu, Vicente da Costa Taques Goes e Aranha, como já vimos em capítulo antecedente.

Da mesma forma, em Sorocaba, havia também uma certa divisão espacial da área de atuação de certos capitães, ainda que a maioria fosse apresentada nas listas nominativas como residentes na matriz. Mas encontramos os capitães Jacinto José de Abreu no Capotera, Manuel Álvares de Castro e Francisco Manuel Fiuza no Piraibu, um tanto distantes uns dos outros; Manuel Gomes de Carvalho e João Pires de Almeida Taques estavam no Iperó, mas em subdivisões diferentes deste bairro, que era bastante grande se comparado aos demais. [Aesp. Lista nominativa de Sorocaba, 1790.]

O conjunto desses dados nos fornece algumas informações importantes.Em primeiro lugar, devemos ter em conta a importância dos oficiais, especialmentedos capitães, na economia local, como agentes econômicos diretos, comandandonegócios, criações de animais, lavouras, lavras de minérios, entre outras atividadesque constituíam a base da economia regional, como vimos anteriormente. É certoque era uma economia relativamente pobre, se comparada, por exemplo, aos negócios desenvolvidos na Praça do Rio de Janeiro na mesma época (FRAGOSO, 2005).Mas eram esses capitães locais, a exemplo dos capitães e coronéis Carneiro Leãoe Gomes Barroso, que comandavam a dinâmica econômica. No caso da rota dastropas, os capitães eram os senhores daquela pobre economia, como os do Rio deJaneiro eram de “grossa aventura”. [Páginas 189 e 190]

rede densa das tropas, havia redes mais densas ainda, dentro das comunidades, resultantes do contato diário das pessoas, dos vínculos de parentesco, vizinhança e amizade.Este capítulo irá tratar de algumas redes densas que “uniam os pontos”, ou seja,que articulavam as diversas localidades à margem do caminho das tropas e outras.Já vimos, em capítulo anterior, que o “mercado relacional” era bastante restrito. Haviauma forte tendência, nas localidades da rota, de se buscar um parceiro relacional(noivos, padrinhos, sócios, amigos) nas proximidades de onde cada agente atuava.Algumas pessoas, contudo, conseguiam construir e manter vínculos que rompiamos limites regionais e permitiam a realização de empreendimentos de vulto superioraos permitidos nas localidades. Para tanto, vamos explorar as ligações de algunsimportantes grupos familiares do caminho das tropas e suas ligações extrarregionais.

Em agosto de 1788, o capitão-mor de Itu, Taques Goes e Aranha, e seu cunhado, o capitão-mor de Sorocaba, Cláudio de Madureira Calheiros, manifestaram, ao governador Lorena e à rainha, a vontade de estabelecer uma fábrica em Araçoiaba, Sorocaba, para a produção de ferro e aço.

O ferro viria de um monte naquela localidade, cujas reservas deveriam, segundo Calheiros, durar “enquanto o mundo formundo”.2 Mas, para isso, os dois capitães faziam algumas exigências: um bommestre de fundição indicado por Sua Majestade, que entraria como terceiro sócionos lucros, isenção de impostos por oito anos e exclusividade na exploração do ferro.Seria um novo investimento em comum dos dois capitães, que já possuíam umafazenda em conjunto em Itapetininga, desde antes de 1784.3 A ideia parece ter partidodo governador Lorena, o qual havia lido, no quinto volume da “História filosófica”,de Abade Raynal, que, em Sorocaba, havia uma serra com ferro e outros metais.Lorena encontrou-se, em São Paulo, com Calheiros, “que dizem ser de boa condutae tem seus créditos de rico e seu cunhado o Capitão-mor de Itu”. Dizia, ainda, sobreeste último: “não sei se pode tanto mas tem juízo”.4 Tal empreendimento, até onde [Página 250]
Coisas do Caminho. Crédito, confiança e informação na economia do comércio de gato entre Viamão e Sorocaba (1780-1810), 2018. Tiago Luís Gil, UnB

Relacionamentos
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Pessoas (15)
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Você sabia?
A primeira Real Fábrica de Ferro nasceu de uma lenda. O Morro de Ferro, às margens do Ipanema, foi descoberto em 1589 por Afonso Sardinha, quando em expedição a procura da Lagoa Dourada, “que num ponto qualquer da serra existia, nadando em suas águas peixes e patos de ouro”. Hoje (1960), a quem quer que se pergunte em São João do Ipanema, sobre a tal Lagoa, não se houve resposta. Ninguém a viu, mas ninguém a contesta.
Nas margens do Rio Infeliz as ruínas centenárias do embrião de V. Redonda, 11.09.1960. Fernando Hossepian de Lima

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Aprendi mais, e ainda agora creio, como indubitável, que uma vez dado o direito, dado é também o meio de o conservar e recuperar, quando invadido; pois que a obediência cega é o antagonismo da espontaneidade, que constitui a essência do ente moral chamado homem; e que isto se não modificava no estado social com a criação de um governo.
Rafael Tobias de Aguiar (1794-1857)
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