Ocupação nos sertões da Capitania de São Paulo: vila de Lages – XVIII, Renilda Vicenzi
2016. Há 8 anos
ResumoA pesquisa ora apresentada busca analisar o estabelecimento da vila de Lages, ao longo dodenominado caminho de Viamão. Através das correspondências/ofícios expedidos pelos governadoresda Capitania de São Paulo, entre elas as determinações do Morgado de Mateus, é possível perceber queas autoridades políticas e militares da Capitania, tinham preocupação em povoar o espaço entre a vilade Curitiba e o rio Pelotas. E para os mesmos, a futura povoação seria responsável por impedir oavanço das missões espanholas e garantir o domínio português no rio Pelotas, e ainda "nasceriam"povoações nos sertões de Curitiba, assim que os paulistas iniciassem as migrações. A povoação centraldeveria se localizar as margens dos rios Pelotas ou Canoas, pontos estratégicos de defesa, e as terraspróximas a esses rios seriam para a fundação de muitas fazendas de gado.Contexto inicialO contato da região mineradora e de Sorocaba com o Sul da colônia era precário, pois faltavamestradas trafegáveis que possibilitassem o transporte e o comércio de animais vivos pelo interior. Ocaminho já existente pela costa marítima iniciava na Colônia de Sacramento, passava por Laguna eseguia às Capitanias de São Paulo e Rio de Janeiro, no entanto era extenso, visto que, após a chegadaao litoral dessas capitanias, as mercadorias precisavam ser transportadas ou se autotransportarem parao interior.
Com o objetivo de realizar um novo caminho que interligasse as regiões do interior da Colônia, em 19 de setembro de 1727, o capitão general da Capitania de São Paulo, Antonio da Silva Caldeira Pimentel, ordenava “para o sargento-mor Francisco de Souza Faria2 abrir o caminho pela paragem que achar mais conveniente, possível e fácil, para por ele poder conduzir gados e cavalgaduras para os campos gerais de Curitiba”3.
Para realizar o caminho, Souza Faria recebeu na vila de Santos armas, munições e ferramentas4, e deveria seguir as seguintes instruções: sua viagem iniciaria na vila de Paranaguá em direção ao rio São Francisco, Ilha de Santa Catarina até Laguna, de onde partiria para Curitiba. Os capitães-mores e os oficiais que se encontravam ao longo do caminho deveriam obedecer e acatar suas ordens, além de auxiliar com homens, mantimentos, gado vacum, cavalar e embarcações5.
Souza Faria foi orientado a descrever com precisão a vegetação, a hidrografia, o relevo e osindígenas; também, para garantir sua segurança e de seu bando, deveria criar laços de amizade com osindígenas e possíveis castelhanos que encontrasse ao longo do caminho. A inteligência e experiênciano comércio com índios e castelhanos e seus conhecimentos sobre a região foram os motivos daescolha de Souza Faria pelo capitão general Caldeira Pimentel6. Segundo Kuhn, “o novo governadorde São Paulo, Caldeira Pimentel, resolveu enviar o sargento-mor Francisco de Souza Faria,experimentado nos sertões meridionais, para abrir a estrada que ligasse os campos sulinos à vila deCuritiba” (KUHN, 2006, p. 55). A solicitação do governador foi posta em prática em 1728, quandoSouza Faria efetivou o Caminho dos Conventos7, ligando o litoral (Laguna) aos campos de Cima daSerra, com o objetivo de seguir para os campos de Curitiba e chegar até Sorocaba.Porém, a ligação interna, sem passar por Laguna, foi concluída em 1732 por Cristóvão Pereirade Abreu, após ter iniciado em 1731 sua jornada na Colônia de Sacramento, com destino a São Paulo.Era um novo caminho a ser percorrido por homens e animais. O caminho aberto por Cristóvão deAbreu8a partir de Viamão seguia na direção do rio Rolante, afluente dos Sinos, penetrava nos camposde Cima da Serra (Vacaria), atravessava o rio Pelotas, seguindo no sentido dos campos de Lages paraos campos de Curitiba, até o destino final, Sorocaba. Esse novo caminho recebeu a denominação deCaminho ou Estrada das Tropas.Em carta, Cristóvão Pereira detalhou sobre a viagem e os animais que transportou a Sorocaba,destacando que foram “[...] perto de 700 cavalgaduras, pois foram perdidos cerca de 10 animais. As perdas ocorriam em virtude das pestes, que sempre foram presentes nas tropas, matandoprincipalmente as mulas”9. Ainda, o tropeiro descreve a dificuldade de abrir caminhos em morros,buracos, matos e brejos, a perda de animais que ficaram doentes e de homens por desordem; anecessidade de instalar registros ao longo do caminho e de estabelecer fazendas próximo a Curitibapara a criação de gado vacum e cavalar (principalmente de éguas). Com relação ao tempo de viagem,de Laguna até os campos de Curitibanos (depois denominados campos de Lages), foram 16 dias, edestes mais 10 dias até as fazendas próximas da vila de Curitiba. Ainda, foram necessários mais 6 diasaté chegar à estrada para São Paulo, por onde “sem dúvida o caminho era melhor”10. Para Tiago Gil(2009, p. 45), “ele chegou com uma volumosa tropa, sendo, além de "fundador", o primeiro negociantede gados a cruzar aquele percurso. Foi apenas o começo de uma rota que testemunharia, ao longo dosanos seguintes, uma enorme movimentação de animais”.Não temos intenção de discutir e divergir sobre o tempo de viagem e o número exato deanimais que chegaram ao seu destino, mas salientar a importância desse caminho ao delinear oscampos de Cima da Serra como rota de passagem. O tropeiro coronel Cristovão Pereira passou comsua tropa nos pastos lageanos, seguindo em direção a Sorocaba e, após essa passagem, novos tropeirose novas tropas seguiram e pousaram por esses campos.A abertura do novo caminho encurtou distâncias e era mais rentável à fazenda real, aopossibilitar com maior rapidez o fornecimento de cavalgaduras e boiadas às minas11, sendo assim maisvantajoso que os anteriores. Após a realização do trabalho de abertura do caminho, o ConselhoUltramarino português enviou carta a Cristovão Pereira de Abreu12. Nessa carta, destacam-se osserviços prestados por ele à Coroa na abertura do caminho, que o remunerava por 12 anos com ametade dos impostos cobrados no registro de Curitiba. Destaca, ainda, que foram enviados pela Coroaquatro soldados, um cabo montado e um escrivão para guarnecer e garantir os direitos tributários nesseregistro, e também coibir o desvio de animais por outros caminhos.A distância entre o Registro de Viamão e o de Sorocaba era em torno de 1.500km, caminhoidentificado no mapa anteriormente apresentado. O ritmo temporal era marcado pelos passos das mulase dos demais animais em comitiva durante a caminhada, e pelos contratempos, principalmente os [Ocupação nos sertões da Capitania de São Paulo: vila de Lages – XVIII, Renilda Vicenzi, 2016. Páginas 1 e 2]